Aves e ciência cidadã têm tudo a ver. O termo pode ser novo, mas os primeiros projetos de pesquisa que contaram com a ajuda de amadores foram realizados ainda no século 18, na Europa. Já naquela época pessoas que observavam aves por prazer (não sendo necessariamente especialistas no assunto) ajudavam a realizar levantamentos com fins científicos.
Muitos birdwatchers já devem ter ouvido falar no Christmas Count, organizado pela National Audubon Society. Este é o censo de aves de maior duração já realizado. A tradição de observar aves no natal – ao invés de caçá-las – começou em 1900 e ganha mais adeptos a cada ano. Só no último natal foram enviadas 2.359 listas, totalizando quase 70 milhões de aves registradas! Os dados são utilizados por pesquisadores para monitorar as populações de aves e avaliar impactos ambientais, como os efeitos das mudanças climáticas.
Aves são carismáticas e muitas pessoas participam com afinco de projetos de ciência cidadã cujo foco são aves urbanas. Projetos como o FeederWatch (organizado pela Universidade de Cornell) e o Neighborhood Nestwatch (mantido pelo Smithsonian Migratory Bird Center) contam com a participação de, literalmente, milhares de pessoas. De crianças em idade escolar a adultos com as mais diversas profissões. Aqui no Brasil, os mais de 20 mil usuários do Wikiaves têm fornecido informações muito úteis para os ornitólogos.
Mas a ciência cidadã não está interessada apenas em bichinhos fofos e simpáticos. A experiência acumulada em projetos com aves tem sido aplicada com sucesso em projetos que monitoram borboletas (Monarch Watch), joaninhas (The Lost Ladybug Project), peixes (Grunion.org), minhocas (Great Lakes Worm Watch) e, por que não, animais selvagens atropelados. O Urubu mobile é um aplicativo para celular criado pela equipe do CBEE e pode ser baixado por qualquer pessoa. Lançado a quase um ano, já conta com mais de 10 mil usuários.
O avanço da tecnologia alavancou muitos projetos de ciência cidadã. Imagine que, não faz muito tempo, qualquer pessoa que quisesse contribuir como cientista cidadão teria que preencher vários formulários em papel e enviá-los pelo correio. Depois, uma equipe teria que reunir e organizar os dados de milhares de participantes, para só então poder começar a pensar em analisá-los. Hoje estas mesmas informações chegam quase instantaneamente aos bancos de dados. Na verdade, o volume de informações que chega pode ser tão grande que é preciso desenvolver métodos estatísticos específicos para lidar com tudo isso.
O desenvolvimento de jogos é outra nova vertente da ciência cidadã. Além de coletar dados, jogos podem auxiliar na resolução de problemas complexos. No projeto Fold.it, por exemplo, jogadores do mundo todo desvendam o formato tridimensional de proteínas, ao mesmo tempo que se divertem. Já no Malaria Spot Game o objetivo é identificar o maior número de protozoários causadores da malária, a partir de imagens de lâminas de sangue de pacientes reais. Os resultados de cada jogada são somados aos resultados de muitos outros jogadores e ajudam no diagnóstico de centenas de pessoas.
A ciência cidadã é uma abordagem inovadora, integrando pesquisa e educação. O volume de dados coletados pelos cientistas cidadãos supera qualquer marca que seria possível apenas com uma equipe tradicional de cientistas. Ao mesmo tempo, o cientista cidadão pode aprender mais sobre um assunto de seu interesse e sabe que está contribuindo com o desenvolvimento da ciência, ajudando a resolver problemas reais. Seja monitorando as aves do quintal ou as estrelas do universo, cada um de nós pode ajudar a fornecer respostas para perguntas que muitas vezes ainda nem foram feitas.
Bibliografia consultada:
Janis L. Dickinson & Rick Bonney (2012) Citizen Science – Public participation in environmental research. Cornell University Press.
2 Comentários
Um grande adendo ao post: Manual do projeto Cidadão Cientista ( http://savebrasil.org.br/wp/wp-content/uploads/2014/12/Manual-Cidad%C3%A3o-Cientista.pdf ).
No manual eles falam do CNAA – Censo Nacional de Aves Aquáticas, e do IPAVE – Inventário Participativo das Aves do Paraná.
Ótimo texto! Obrigada!