Tenho muita dificuldade em lembrar como eu pensava quando era criança. Em que acreditava, ou como juntava informações e tirava conclusões. Acho que a maioria dos adultos também não se recorda, e esse pode ser um ponto fundamental para os educadores. Ontem li um artigo muito bacana em que os autores exploraram as ideias que crianças de várias idades fazem sobre as aves. Cerca de 500 alunos de escolas da Eslováquia foram entrevistados, e as respostas revelaram várias concepções erradas, muitas delas geradas por um raciocínio antropomórfico (a maioria das crianças, principalmente as mais novas, atribuí características humanas aos animais). Por exemplo, quando foi feita a pergunta “Por que os galos cantam?“, grande parte respondeu que “Galos cantam para acordar as pessoas“.
Algumas afirmações, como esta sobre os galos, poderiam ser feitas por crianças de qualquer lugar do mundo. Porém não podemos esquecer que existem influências culturais e da mídia. Apenas 2% das crianças entrevistadas tinham aves como animais de estimação em casa, uma situação que acredito ser muito diferente da realidade brasileira. Talvez seja por isso que as perguntas sobre a alimentação das aves fossem um verdadeiro mistério para os pequenos eslovacos. Metade não soube dizer o que as aves comem. Muitas acreditam que o pica-pau come as larvas que encontra na madeira porque é um “médico de árvores”. E quando questionadas sobre a dieta dos pombos, 60% responderam que eles gostam de insetos e minhocas!
Uma informação que gera conflito nas crianças é sobre a audição das aves. Apesar da maioria afirmar que aves escutam, os pequenos têm dificuldade em entender como, uma vez que 40% acredita que elas não têm ouvidos. Apenas 25% sabia que as corujas utilizam a audição para caçar, e a grande maioria acredita que elas enxergam melhor à noite.
Outro dado interessante levantado pela pesquisa é aquela famosa dúvida sobre os animais que voam. Muitas crianças afirmaram nas entrevistas que borboletas, morcegos e pterodáctilos são aves, enquanto mais de um terço delas (37%) não sabia que o pinguim é uma ave. Isso ocorre porque a locomoção é um critério muito utilizado por crianças, principalmente as mais novas, para classificar os animais.
Algumas perguntas da entrevista eram particularmente difíceis e específicas. Como por exemplo, uma questão sobre o tamanho da ninhada de um pombo. Outra indagava se é o pardal macho ou fêmea que choca os ovos. Em alguns poucos casos discordo da análise das respostas, mas de forma geral o estudo é muito interessante e revela várias dificuldades das crianças em entender o mundo natural.
No final, os autores trazem uma série de dicas para professores, que vou tomar a liberdade de resumir e adaptar aqui:
- Para ensinar sobre a biologia das aves, incentive as crianças a observar aves comuns, como pardais e pombas. Aqui no Brasil temos muitas outras espécies fáceis de encontrar no ambiente urbano, como o sanhaço, o bem-te-vi, os sabiás, a coruja-buraqueira. Também temos os beija-flores, um tipo de ave que não existe no continente europeu.
- Utilize o aprendizado baseado em problemas. Por exemplo, para falar de migração, você pode se basear na pergunta “Quais são os custos e benefícios para as aves quando elas migram?”
- Evite reduções do tipo “Este é um pássaro porque pode voar“.
- Escolha algumas espécies de aves e comente vários aspectos sobre sua biologia: tamanho, formato do bico, cores, hábitos alimentares, predadores, reprodução, curiosidades…
- Aprenda mais sobre as adaptações das aves. Utilize o máximo de exemplos possíveis.
- Leve aves taxidermizadas para as aulas
- Leve seus alunos para atividades em ambientes naturais para observar outros tipos de aves e seus comportamentos típicos.
Referência
Pavol Prokop, Milan Kubiatko, & Jana Fančovičová (2007). Why Do Cocks Crow? Children’s Concepts About Birds Research in Science Education, 37, 393-405 : 10.1007/s11165-006-9031-8