Muitas aves migram em busca de locais mais favoráveis – o que geralmente significa mais alimento – ao longo do ano. Para algumas espécies isso pode significar voar alguns quilômetros em direção ao norte fugindo do inverno rigoroso (se estiverem no hemisfério sul, é claro). Para outras a migração pode envolver atravessar o continente, ou mesmo mudar-se temporariamente para o outro lado do planeta. Muitas vezes elas atravessam oceanos para fazer isso, com poucas paradas e quase nenhuma chance de repor as energias ao longo do caminho. Lembrei agora de um documentário fenomenal sobre o assunto, o premiado Migração Alada. Vale a pena assistir.
Essas migrações transcontinentais sempre chamaram muito a atenção do homem. Antigamente, estudos eram feitos com anilhas coloridas, e os pesquisadores tinham que contar com a boa vontade dos desconhecidos que eventualmente avistariam esses animais marcados, ou encontrariam suas carcaças. Imagine isso a pouco tempo atrás, quando nem havia internet? Pois bem, hoje a história é outra. A invenção dos pequenos geolocalizadores, os GPS, mudaram a forma de fazer pesquisa nesta área. Primeiro foi possível obter dados de aves maiores, como os albatrozes. Isso porque os primeiros dispositivos de GPS ainda eram pesados e certamente iriam atrapalhar muito a vida de uma ave menor. Atualmente existem equipamentos modernos, bem mais leves, possibilitando o estudo da movimentação de aves bem pequenas, até mesmo passeriformes. E assim foi possível confirmar que o pequeno Trinta-réis-ártico (Sterna paradisaeae) apresenta a mais longa migração entre todas as espécies de animais conhecidas.
Pesquisadores capturaram onze aves desta espécie, dez em uma colônia na Groenlândia e uma em uma colônia na Islândia. Pequenos geolocalizadores (pesando somente 1,4 gramas!) foram afixados em suas patas, e elas então foram libertadas. Ai cada uma seguiu seu caminho, literalmente. Ao contrário do que poderia se imaginar, não existe uma única rota de migração. A princípio todas seguiram para o sul e utilizaram um mesmo ponto de parada, mas depois de voarem um bom trecho da costa oeste da África, tomaram rumos diferentes. Algumas continuaram voando paralelamente à costa da África, outras atravessaram o Atlântico e chegaram à costa do Brasil. Outras seguiram em direção ao Oceano Índico. Ao final todas acabaram passando o período não reprodutivo bem ao sul, nas proximidades do continente Antártico, mas em pontos muito distantes entre si. Já o caminho de volta foi um pouco mais parecido, todas contornaram a costa oeste da África, sem, aparentemente, fazer paradas no continente.
O mais interessante é que, embora os caminhos sejam diferentes, as aves partem mais ou menos no mesmo período do ano, com diferença de poucos dias. Tanto na ida como na volta. Pode-se dizer que elas apresentam alta sincronia. Elas também viajam em velocidades bem diferentes, dependendo do momento da viagem. Na ida até a região Antártica, são aproximadamente 34.600 km, feitos em uma média de 93 dias. Na volta até a Groenlândia as aves percorrem 25.700 km, em apenas 40 dias. No total, cada ave viajou entre 59.500 e 81.600 km, dependendo do caminho utilizado. É a migração mais longa registrada. Ufa!
Referência:
Egevang C, Stenhouse IJ, Phillips RA, Petersen A, Fox JW, & Silk JR (2010). Tracking of Arctic terns Sterna paradisaea reveals longest animal migration. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 107 (5), 2078-81 PMID: 20080662