O sol finalmente saiu e pudemos aproveitar bem nosso último dia no parque nacional Torres del Paine. Depois de um café-da-manhã reforçado no refúgio Las Torres, seguimos pela estrada pavimentada até a portaria do setor Laguna Amarga. Neste trecho vimos muitas aves jovens, acompanhadas por seus pais. Afinal, é dezembro e estamos em plena estação reprodutiva. A vegetação neste setor do parque é mais rala, e as aves se concentram nos arbustos na beira da estrada. Muitos “zorzais patagónicos” (Turdus falcklandii), corruíras (Troglodytes musculus), tico-ticos (Zonotrichia capensis) e algumas andorinhas que não consegui identificar.
Perto da portaria há um lago e a vegetação é um pouco mais viçosa. Atravessamos um bonito campo com milhares de florzinhas brancas e amarelas, onde um casal de cauquén comum (Chloephaga picta) nos observa a distância. Um canto diferente chama a atenção e paramos para procurar sua origem. Lá longe, na ponta de um galho, uma “rara” (Phytotoma rara) repete um chamado que não consigo descrever. Vale mais a pena ouvir uma das várias gravações desta espécie no xeno-canto. Ela voou antes que eu tivesse chance de fotografar, mas logo depois encontro outra, mais distraída. Pertinho dela, um “fiofío silbón” (Elaenia albiceps) observa a paisagem tranquilamente.
No lago encontramos mais cauquéns e um casal de marrecas-oveira (Anas sibilatrix). Paramos na portaria para nos informar e seguimos por uma trilha que leva ao lago Sarmiento. No mapa, este percurso é indicado como “sendero de observación de avifauna”. Logo nos primeiros degraus que dão início à trilha, logo ao lado da portaria, observamos uma “bandurrita común” (Upucerthia dumetaria), um furnarídeo com bico longo e curvado. Começamos bem! Apesar de ser uma espécie comum, é a primeira vez que a vejo.
A paisagem muda e chegamos a uma ampla pradaria, com centenas de guanacos pastando aqui e ali. Eles nem ligam para nossa presença. Só os filhotes são um pouco mais medrosos e fogem quando nos aproximamos muito. Como são bonitinhos!
Olho para todos os lados com atenção. Meu principal objetivo é encontrar um “ñandú” (Rhea pennata), também conhecido por lá como “choique”. É uma ema, mas não a espécie que ocorre aqui no Brasil. O ñandú é um pouco menor que a ema brasileira, e seu bico é mais curto. Vi alguns durante as longas viagens de ônibus que fizemos na Patagônia, mas sempre muito de longe. Também vi um cercado de filhotes quando chegamos em Torres del Paine, três dias antes. O motorista do ônibus parou por alguns instantes para que os passageiros pudessem ver, mas não tive chance de fotografar.
Enquanto procuro nãndús, vários casais de “loicas” (Sturnella loyca) forrageiam entre o capim em busca de insetos. É uma ave bonita, com o peito vermelho bem destacado. Diz a lenda que as loicas eram pássaros sem graça, com uma plumagem cinza e negra. Um dia, um caçador descuidado encontrou um grande bando delas. Na pressa, acabou atirando em si mesmo. As aves ficaram com pena do caçador azarado, e foram pedir ajuda no povoado mais próximo. Algumas ficaram com o caçador e limparam seus ferimentos. Suas penas se sujaram de sangue, e desde então seu peito é vermelho, tornando-as inconfundíveis.
A paisagem parece árida, mas na verdade a terra está encharcada e em alguns trechos precisamos desviar da trilha para não molhar demais os sapatos. Encontramos duas pequenas lagoas temporárias. Uma delas abriga um bando de “patos crestón” (Lophonetta specularioides) que, muito desconfiados, entram na água assim que começo a me aproximar. E é pertinho dali que finalmente encontro um nãndú! Que ave extraordinária!
A trilha segue paralela a uma cerca de arame farpado. Ela não representa nenhuma barreira para os guanacos, que saltam por cima dela com a maior facilidade. Mas para o ñandú ela parece intransponível. Ele segue acompanhando a cerca, procurando uma maneira de passar. O capim do lado de lá me parece tão verde quanto o deste lado, mas por algum motivo ele insiste em ir até lá. Mas não demora e desiste.
No caminho de volta paro para observar esta ave da foto abaixo, que até agora não consegui identificar. Ela também interrompe o que estava fazendo e fica me olhando, e estamos nisso quando um condor-dos-andes (Vultur gryphus) faz um voo rasante, bem por cima de nossas cabeças! Durante os três dias em Torres del Paine tivemos a oportunidade de ver vários condores, mas sempre voando alto no céu. Este é o único que passou assim pertinho.
É um jovem condor: a plumagem é parda e o colar do pescoço ainda não se tornou branco. Nada mal para fechar nosso passeio, não?
2 Comentários
A ave não identificada é o Minero, Geositta cunicularia. ( Common Miner )
Muito obrigada Valéria!!!