O Pó é o maior rio da Itália. Ele atravessa o norte do país e desagua no mar Adriático, alguns quilômetros ao sul de Veneza, formando um grande delta recortado por centenas de pequenos canais. Lugar perfeito para encontrar aves limícolas!
Antes de viajar encontrei informações detalhadas sobre a região no site podelta.eu, que foi essencial para definir o roteiro. Isso porque o Delta do Pó tem 54 mil hectares, abrangendo nove municípios. Eu só tinha dois dias disponíveis para conhecer a região toda e logo percebi que isso seria impossível em tão pouco tempo. Além disso, em geral os italianos chegam ao Delta do Pó de carro, o que não era uma opção para mim. Resolvi escolher um único destino e explorar bem os arredores. A melhor (ou talvez a única) opção viável contando somente com transporte público era a pequena cidade de Comacchio.
Para chegar em Comacchio precisei ir até a estação de trem de Ferrara e de lá seguir de ônibus. Pesquisando na internet só encontrei a opção de dividir este trajeto rodoviário em duas partes: primeiro um ônibus até Ostellato e depois outro ônibus até Comacchio. Chegando em Ferrara a boa surpresa foi descobrir a linha 331, que tem como destino final Porto Garibaldi e passa por Comacchio. Só precisei avisar o motorista que iria descer em Trepponti, que é o nome do centro histórico de Comacchio devido a uma ponte tripla diferentona que foi construída lá.
Comacchio é uma cidade pequenininha e muito simpática. A maioria dos turistas que encontrei por lá estavam em busca de sossego e da boa gastronomia local. Historicamente a cidade é conhecida pela pesca de enguias, que já foram muito abundantes nas águas da região. Esse peixe é tradicionalmente marinado e enlatado até hoje, embora em quantidades bem menores do que no século passado. Também é servido como iguaria nos restaurantes locais. Tem até um museu que mostra todo o procedimento, desde as técnicas de pesca tradicionais até o processamento das enguias.
O pessoal do departamento de turismo de Comacchio é super prestativo e foi de grande ajuda. Eles estão à disposição para tirar dúvidas nos museus da cidade e fornecem uma quantidade de mapas e impressos sobre a região que é inacreditável para uma cidade tão pequena. Ganhei deles um guia das áreas prioritárias para observação de aves no Delta do Pó, com a localização de todas as torres de observação (que são muitas!) e várias dicas. Um dos materiais de referência para observadores de aves mais bem feitos em que já coloquei as mãos. Tem uma versão um pouquinho diferente dele para download.
Pena que a maioria dos lugares só é acessível de carro. Mesmo para conhecer os arredores de Comacchio precisei andar bastante. Caminhando uns 4 km cheguei em Stazione Foce, uma das áreas mais importantes para observação de aves do Delta do rio Pó. Ao longo do percurso, que margeia a água, já deu para ver muitas aves típicas do litoral: gaivotas, garças e maçaricos. Também avistei alguns faisões (Phasianus colchicus) nas plantações próximas, uma ave que chama atenção pelo seu colorido, mas que não é nativa da Europa.
Cheguei em Stazione Foce num final de tarde magnífico, que rendeu o por do sol da capa deste post. Era Outubro e a temperatura estava amena. Encontrei muitas aves no local, com destaque para os flamingos (Phoenicopterus roseus), que são a maior atração do Delta do Pó. Alguém me disse que mais de 20 mil flamingos nidificam na região. Vou ficar devendo fotos das aves, porque não levei câmera nesta viagem. Só tirei algumas fotos com o celular. Num primeiro momento foi meio estranho ver tanto bicho bonito e não poder registrar, mas confesso que também foi libertador. Que delícia poder ficar só curtindo as aves, sem me preocupar com foco, luz e tudo mais que a fotografia exige. Pra quem quiser dar uma espiada nos bichos sugiro o site birdingplaces.eu, que tem uma lista ilustrada das aves que podem ser encontradas no Delta do Pó.
Pra vencer as distâncias e ganhar um pouco de tempo aluguei uma bicicleta no dia seguinte. Apesar de estar numa fase mais sedentária, consegui pedalar mais de 30 quilometros. A região é absurdamente plana, o que facilita muito. E encontrei diversos ciclistas, alguns mais e outros menos preparados, ao longo de todo o percurso. Aproveitei para ir até a torre de observação do Valle Zavelea, de onde foi possível avistar uma grande lagoa lotada de aves.
De tarde fiz um passeio de barco que tinha agendado previamente com o pessoal do departamento de turismo. O embarque foi feito em Stazione Foce, onde dá para alugar uns binóculos bem simples. De lá o barco seguiu lentamente pelos canais de água. Não era um passeio específico para avistar aves (eles até organizam alguns passeios para birdwatching, porém somente até Setembro), mas deu para observar muitas gaivotas, garças e flamingos ao longo do trajeto. As pequenas gaivotas-de-capuz-escuro (Chroicocephalus ridibundus) seguiram o barco durante grande parte do tempo, aproveitando a movimentação da água para pescar.
Também deu para ver vários biguás ao longo do percurso. A maioria era biguá-comum-europeu (Phalacrocorax carbo), mas com atenção deu para encontrar alguns biguás-pequenos (Microcarbo pygmaeus, chamados de corvos-marinhos-pequenos em português de Portugal) infiltrados nos grandes bandos. É uma ave de aparência curiosa, com o bico e o pescoço mais curtos que os dos outros biguás. Destaque também para as tadornas (Tadorna tadorna), que são bem maiores do que eu imaginava! A tadorna é um tipo de pato (família Anatidae) e encontrei algumas dividindo as águas rasas com os flamingos. De longe elas pareciam gansos.
Queria ter tido mais tempo para explorar o Delta do Pó. Que região mais linda! Depois da viagem passei um tempão folheando o guia do parque e descobri que ele abrange diversos tipos de ambientes, com direito à lagoas, bosques e até mesmo florestas inundadas. Mais de 300 espécies de aves podem ser observadas por lá, o que é um número bem interessante considerando-se que a biodiversidade dos ecossistemas europeus é menor do que a que encontramos aqui no Brasil. Fica a dica pra quem estiver planejando uma viagem para a Itália e quiser sair um pouco dos circuitos turísticos mais óbvios…