Quem nunca se assustou com o aspecto frágil e prematuro de um filhote de pássaro, tão indefeso? Cego e sem penas, ele depende dos adultos para tudo. Mas esta é uma fase curta. Se os pais conseguirem trazer alimento suficiente, em poucos dias ou semanas ele cresce bastante e pode deixar o ninho. Este tipo de desenvolvimento é chamado altricial, e ocorre em filhotes de andorinhas, pica-paus, beija-flores, pombas e tantos outros. Mas algumas espécies de aves adotam outra estratégia na hora de ter filhotes. É surpreendente a independência de uma ninhada de pintinhos ou patinhos, que, logo nos primeiros dias de vida, já acompanham a mãe na busca por comida. Estes filhotes são chamados precociais.
Alguns filhotes nascem tão desenvolvidos que sequer precisam dos pais para sobreviver. Aqui na América do Sul temos um exemplo muito marcante: a Marreca-de-cabeça-preta (Heteronetta atricapilla). Esta é uma espécie parasita, pois a fêmea coloca seus ovos em ninhos de outras espécies de patos. Mas, assim que nascem, os filhotes deixam o ninho e ficam por conta própria, sem nunca conhecer os pais, nem mesmo os “pais adotivos”. Outro filhote muito independente é o do Kiwi. E não é para menos: essa ave produz o maior ovo de todos, pelo menos com relação ao seu tamanho corporal. Experimente buscar por “kiwi x-ray egg” no Google Images! O ovo é tão grande que chega a comprimir os órgãos internos da fêmea.
De modo geral, filhotes precociais originam-se de ovos grandes, com grande quantidade de gema. É na gema que estão as proteínas e nutrientes necessários para o desenvolvimento do embrião. Claro que para produzir ovos deste tamanho as mães precisam investir muita energia. A vantagem é que depois que nascem esses filhotes exigem bem menos atenção que filhotes altriciais. Esta é uma estratégia muito comum na reprodução de aves que vivem no chão, como codornas, avestruzes, inhambus e saracuras.
Aves que dependem mais de sua capacidade de voar para sobreviver costumam ter filhotes altriciais. É o caso da maioria dos pequenos pássaros, dos papagaios, tucanos e corujas. Pode parecer que filhotes precociais seriam uma opção mais vantajosa para seus pais, mas tudo depende do meio-ambiente, da disponibilidade de alimento e de muitos outros fatores. Por exemplo, se existirem muitos predadores de ovos, talvez produzi-los em menor tamanho (ou seja, com menor investimento de tempo e energia) seja uma boa estratégia. Caso sejam destruídos, sobra energia para os pais tentarem uma segunda ninhada.
O desenvolvimento do sistema nervoso central é outro aspecto importante que difere filhotes altriciais e precociais. Como é de se imaginar, um filhote altricial não precisa de um cérebro muito grande, já que seus olhos ainda estão fechados e não captam estímulos visuais, e sua musculatura é tão débil que ele mal se move. Mas, ao longo de seu rápido crescimento (que é 3 a 4 vezes mais veloz que o de um filhote precocial) seu cérebro aumenta muito de tamanho e complexidade, ficando muitas vezes maior que o cérebro de uma ave precocial adulta de mesma estatura.
As primeiras espécies de aves, lá na Era Mesozóica, tinham filhotes precociais. O desenvolvimento altricial apareceu ao longo da evolução, em alguns grupos de aves, em diferentes níveis de intensidade. Assim, existem também filhotes que não podem ser classificados nem como precociais nem como altriciais, mas que são um “meio-termo”. É o caso das garças e de algumas aves de rapina.
O fato de uma espécie produzir filhotes de um tipo ou de outro tem forte influência sobre as estratégias reprodutivas, como o número máximo de ovos por ninhada, sistemas de acasalamento e, principalmente, o cuidado parental. Espero poder falar um pouco mais sobre isso nos próximos posts!
Referências:
Kenneth P. Dial (2003). Evolution of avian locomotion: correlates of flight style, locomotor modules, nesting biology, body size, development, and the origin of flapping flight The Auk, 120 (4) DOI: http://dx..org/10.1642/0004-8038(2003)120[0941:EOALCO]2.0.CO;2
Sotherland, P., & Rahn, H. (1987). On the Composition of Bird Eggs The Condor, 89 (1) DOI: 10.2307/1368759
Gill, Frank B (2007). Ornithology. New York: W. H. Freeman & Company. 758p