O Santuário do Caraça é uma espécie de mosteiro, cuja construção foi iniciada no século XVIII. O lugar já abrigou um colégio e um seminário, e atualmente recebe turistas de todo o mundo. E não é para menos. Além de sua importância histórica e religiosa, o lugar é simplesmente lindo. A Serra do Caraça, que faz parte da Serra do Espinhaço, é uma zona de transição entre cerrado e mata atlântica. Lar do lobo-guará (a “atração” favorita da maior parte dos visitantes do santuário) e de mais de 300 espécies de aves.
Apesar de bastante isolado, não é difícil chegar lá. Partindo de Belo Horizonte, são cerca de 150km. As cidades mais próximas são Santa Bárbara e Barão dos Cocais, ambas situadas a aproximadamente 25km do santuário. A estrada é boa e atualmente está toda asfaltada.
Vários fatores tornam o lugar ideal para passarinhar. Primeiro, claro, a grande diversidade de aves. Segundo, as trilhas. Existe um enorme leque de opções de caminhos, muitos deles começando bem pertinho da pousada. Trilhas curtas, longas, mais ou menos íngremes, com ou sem cachoeiras. Quem passa a noite na pousada tem a vantagem de poder começar a passarinhar logo cedo.
Outro benefício da pousada é que ela fica mais ou menos no centro do emaranhado de trilhas, o que é bem prático na hora em que bate a fome. Como a diária inclui três refeições, é só se programar bem que dá para fazer uma trilha pela manhã, almoçar, descansar e sair novamente no período da tarde.
A verdade é que não é preciso ir muito longe para ver pássaros. Caminhando somente nas proximidades da pousada dá para encontrar uma variedade bem legal de espécies. A tietinga (Cissopis leverianus) foi a primeira que vi, e eu nem tinha saído do táxi. Vários gibões-de-couro (Hirundinea ferruginea) usam os muros de pedra para descansar entre um voo e outro, enquanto caçam insetos no ar. No estacionamento sempre tem um bando de jacuaçus (Penelope obscura). Quase domesticadas, eles permitem bastante aproximação.
Em frente à cantina canários-da-terra (Sicalis flaveola) disputam migalhas. Dezenas de baianos (Sporophila nigricollis) comem sementinhas nas moitas de capim. Lavadeiras-mascaradas (Fluvicola nengeta) e bentevizinhos (Myiozetetes cayanensis; M. similis) preferem ficar no entorno do laguinho. Ali também dá para encontrar a tímida saracura-do-mato (Aramides saracura).
No morro, logo atrás do centro de Educação Ambiental, tem uma palmeira. Foi ali que o japu (Psarocolius decumanus) fez seu ninho. No final da tarde ele está lá, cantando aquele canto tão esquisito e diferente. Já a araucária é o lugar preferido de um casal de atarefados arredios-pálidos (Cranioleuca pallida), essa ave simpática que ilustra a capa deste post.
Outros bichos também podem ser encontrados perto do santuário. Essa cobra-de-vidro da foto abaixo estava no calvário, meio perdida porque naquele dia a grama havia sido cortada. Mas o animal mais festejado, com certeza, é o lobo-guará. Assim que cai a noite, antes do jantar, os turistas se reúnem no pátio da igreja para esperar por ele. É a chamada “hora do lobo”. E ele bate ponto quase toda noite!
Passei três dias no Santuário do Caraça. O clima de março estava agradabilíssimo e a pousada com pouquíssimos hóspedes. Dizem que nos finais de semana e feriados o lugar fica lotado. Não consegui fazer todas as trilhas que planejei porque dei o azar de ficar doente bem no meio do passeio, mas mesmo assim deu para aproveitar bastante. Como comentei antes, existem muitas trilhas curtas, o que salvou minha viagem.
Qualquer que fosse a trilha, duas espécies estavam sempre presentes: o arapaçu-escamado (Lepidocolaptes squamatus) e a maria-preta-de-garganta-vermelha (Knipolegus nigerrimus). Falando nela, gosto desta espécie. Geralmente os nomes populares das aves são baseados na plumagem dos machos, que costumam ser mais coloridos e vistosos que as fêmeas. Mas no caso da maria-preta-de-garganta-vermelha é a fêmea que dá nome à espécie. Só ela tem a garganta colorida, no macho a garganta é preta.
Outra espécie que não é difícil de encontrar é a saíra-lagarta (Tangara desmaresti). Vivem em bandos grandes, procurando frutinhos no alto das árvores. Já tinha visto em Monte Verde, mas desta vez consegui fotografar um pouco mais de perto. Aliás, muitas espécies que vi em Monte Verde também encontrei na Serra do Caraça, como o tiê-de-topete (Lanio melanops) e o pula-pula-assoviador (Myiothlypis leucoblephara).
Sempre vou lembrar do Santuário do Caraça pela quantidade de espécies novas que tive a oportunidade de ver lá. Entre outras, entraram para a minha lista o abre-asa-de-cabeça-cinza (Mionectes rufiventris), o vite-vite-de-olho-cinza (Hylophilus amaurocephalus) e o pequeno beija-flor estrelinha-ametista (Calliphlox amethystina).
Mas o meu encontro preferido, aquele que não vai sair da memória, foi com o tangarazinho (Ilicura militaris). Eu já tinha visto a fêmea, lá em Morretes, mas ela é verdinha e não se parece nem um pouco com o macho. Desta vez ele apareceu, ficou um tempão parado bem na minha frente, só um metro de distância. Deve ter ficado menos de um minuto ali, mas para mim pareceu uma eternidade.
5 Comentários
Nathália, o Caraça é perfeito! Adorei o seu relato e as fotos. Abração!
Obrigada Eduardo! Esse é um lugar para o qual eu pretendo voltar, é demais!
O padre Palu sabe muito sobre passarinhos da região
Natália. Quero ir ao Caraça por causa dos pássaros. É fácil fotografá-los? Quais os meses mais propícios para encontrá-los? Fico no aguardo de seu contato. Gostei de seu artigo, bem feito e com boa explanação. Coisa de gente capaz, de quem entende do assunto. Um abraço.
As aves que ficam próximas à sede são bem tranquilas de fotografar. Já nas trilhas é preciso mais atenção para encontrá-las. Como em todo o Brasil, dá pra observar aves o ano todo, mas a primavera é a época em que elas estão mais ativas, e também quando estão por aqui algumas espécies que são migratórias. O Caraça é incrível, tenho certeza que você vai gostar!