Tudo começou com uma caneca. Há algum tempo atrás uma amiga visitou Puerto Varas e disse que eu iria gostar de lá, por causa dos muitos passarinhos que viu na cidade. Me presenteou com uma caneca do “chucao”, ave que é praticamente um símbolo da região. Fiquei com o bicho na cabeça desde então. Tempos depois surgiu a oportunidade perfeita para conhecer Puerto Varas: a Feria de Aves de Sudamérica, que este ano foi sediada no Chile.
Foram três dias de feira, com stands de turismo, educação, equipamentos ópticos, fotografia, livros e muito, mas muito artesanato. Tanta coisa bonita, deu vontade de levar tudo pra casa! Como era de se esperar, muitos chilenos estavam apresentando seus trabalhos, mas também haviam bolivianos, colombianos, peruanos e vários argentinos. Brasileiros estavam em falta, mas encontramos o Daniel Cywinski do Projeto Aves de Paraty, que levou o stand e também participou do simpósio de educação que aconteceu no primeiro dia da feira. Soube que também estava lá o Fred Crema, da Maritaca Expeditions, mas infelizmente não consegui encontrar ele.
Puerto Varas fica na região de Los Lagos e está cercada de muita área verde e parques nacionais. Sua localização central é ótima para ter acesso à todos esses lugares. Infelizmente choveu muito durante nossa estadia, mas fizemos o possível para tirar o máximo proveito da viagem. Participamos de algumas saídas para observação de aves organizadas pela feira e também fizemos outros passeios por conta própria. Segue um resuminho de cada lugar.
Humedales de Quenuir
Durante a feira rolaram algumas saídas para observação de aves nas proximidades de Puerto Varas. Uma das opções mais tentadoras era uma visita à pinguineira de Chiloé. Foi difícil dizer não para pinguins-de-magalhães, mas como já tive a oportunidade de observá-los na Ilha Magdalena, acabei optando por um passeio aos “Humedales de Quenuir”.
Para chegar lá primeiro foi preciso pegar a estrada até Maullín, uma pequenina cidade localizada à margem do rio de mesmo nome. De lá tomamos uma pequena embarcação que nos deixou em um local chamado Bajo Quenuir. Durante o percurso pela água pudemos observar uma infinidade de biguás (pelo menos três espécies diferentes) e muitos pelicanos. Sim, pelicanos! Essa ave enorme é bastante comum na costa do Chile, mas deixou todos os turistas estrangeiros espantados. Eu fiquei simplesmente maravilhada com o colorido do bico e o azul da bolsa gular.
Com áreas úmidas e pequenas lagoas, Bajo Quenuir é um lugar interessante para observar aves limícolas como maçaricos, marrecos, garças, cisnes (vimos um coscoroba chocando!) e outras aves que gostam de ambientes úmidos, como a viuvinha-de-óculos e o caminheiro-de-espora. Naquela manhã registrei 43 espécies e se não me engano o grupo como um todo registrou 52 (estávamos em umas 20 pessoas).
Flores amarelas alegravam a paisagem em Bajo Quenuir (assim como em quase todos os lugares por onde passamos na região de Los Lagos). Conhecida no Chile como Espinillo Alemán (Ulex europeaus), essa planta é bonita mas constitui um problemão. Nativa da Europa, a flor foi trazida pelos colonizadores alemães no século XVII para ser utilizada como cerca viva. Acabou se espalhando descontroladamente e hoje constitui uma espécie exótica invasora que ameaça seriamente o ecossistema.
Puerto Varas
A cidade tem uma avifauna urbana muito abundante, com duas espécies que são especialmente fáceis de observar: o chimango (rapinante que também pode ser observado no sul do Brasil) e a curicaca-de-coleira, parente próxima da nossa curicaca.
Vale a pena caminhar pelo Parque Phillipi, onde é possível ver muitos “fío-fíos” (Elaenia albices), “cometocinos patagónicos” (Phrygilus patagonicus; este passarinho bonito que ilustra a capa do post) e quero-queros. Repare que os quero-queros chilenos são um pouco diferentes dos nossos, pertencendo à outra subespécie.
Perto do Lago Llanquihue, andando pela costanera de Puerto Varas, dá para observar gaivotas, maçaricos, andorinhas e muitos “churretes” (Cinclodes patagonicus).
Um dia, pertinho do hotel onde acontecia a feira, encontramos um grande bando de periquitos numa árvore de flores vermelhas. Estava nublado e havia pouca luz. Na hora não percebi, mas depois olhando as fotos reparei que alguns periquitos tinham a maxila (parte de cima do bico) longa e outros tinham a maxila muito curta. Foram dois lifers em uma tacada só: “choroy” (Enicognathus leptorhynchus) e “cachaña” (Enicognathus ferrugineus).
Vulcão Osorno
Passeio rápido que fizemos para ver o vulcão e conhecer a estação de esqui. Este passeio não é para observar aves, a menos que você opte por uma trilha na parte mais baixa do parque. Não tivemos tempo, mas gostaria de ter feito o Sendero El Solitario.
Puerto Montt
Puerto Montt fica a poucos quilômetros de Puerto Varas, mas é uma cidade sem tantos atrativos turísticos. Ainda assim, vale a pena passar por lá para conhecer o Mercado de Peixes Angelmó. Bagunçado e pitoresco, deve ser um dos poucos lugares que sobreviveu à onda de gourmetização. Por causa do tráfico intenso de barcos pesqueiros a praia é suja, ainda que povoada por gaivotas, biguás, maçaricos e pelicanos. Mas a verdadeira atração do lugar são os leões-marinhos!
Parque Nacional Alerce Andino
Chuva, chuva e mais chuva. Fizemos a caminhada de 4 km (8 km, se contar ida e volta) até a famosa árvore milenar debaixo de um aguaceiro só. Uma pena, porque o parque é lindo, mas foi difícil curtir a caminhada com tanta chuva. O velho alerce impressiona bastante, mas acho que gosto mais do nosso jequitibá gigante, no Parque Estadual de Vassununga. Eu sei, a comparação é difícil. Quem sabe um dia eu volto (para ambos os parques) e tiro a dúvida.
Volta ao Lago Llanquihue
Em nosso último dia de viagem alugamos um carro e demos a volta ao lago. São mais ou menos 200 km, passando por vários pontos interessantes do Parque Nacional Vicente Pérez Rosales e uma porção de cidadezinhas simpáticas. Neste dia não choveu (muito) e conseguimos curtir mais o passeio. O birdwatching já começou da janela do carro, com direito a muitas curicacas-de-coleira, chimangos, “jilgueros” (Spinus barbatus) e “loicas” (Sturnella loyca).
Duas paradas merecem destaque: os Saltos de Petrohué e a Laguna Verde. No primeiro lugar você pode ver as corredeiras do rio Petrohué, que são realmente lindas. A água é de um azul indescritível. E ainda encontramos um “pato cortacorrientes” (Merganetta armata) mergulhando naquelas águas geladas. Só tinha visto esta espécie uma única vez, em Torres del Paine. Lá vi uma fêmea com filhote; em Saltos de Petrohué vi um macho. Acho que agora o lifer está completo, né?
Mas eu comecei o texto falando do “chucao”, lembram? Completávamos uma semana na região de Los Lagos, era nosso último dia por lá e nada de ver a ave que mais motivou esta viagem. Até que chegamos em Laguna Verde. Eu nem sabia que este lugar existia, nós só paramos o carro ali porque vimos uma raposinha no estacionamento.
Depois de fazer um verdadeiro ensaio fotográfico da raposa (que já está super domesticada pelos visitantes), resolvemos fazer a pequena trilha ao redor da tal da lagoa verde. Caminhamos poucos metros e comecei a escutar um canto muito peculiar: era o “chucao”! Ok, o desafio agora era conseguir ver ele. O bicho não para um segundo, fica sempre no meio da vegetação fechada, e pra complicar o lugar estava cheio de turistas que não faziam ideia do que estávamos procurando. Depois de muita espera a ave resolveu cruzar a trilha e ficou exposta por alguns instantes. Foi o tempo de pedir pra um casal que se aproximava parar (por sorte havia uma placa com a foto do chucao no local e eu comecei a apontar para ela como uma louca) e bater o click da câmera. E voilà!
A foto ficou tremida mas vou lembrar pra sempre da emoção que foi este instante! E foi com a sensação de missão cumprida, aos 45 do segundo tempo, que voltamos para casa.
1 Comentário
buenas fotos de pajaros chilenos ,incluso el chucao