Tudo começou com uma caneca. Há algum tempo atrás uma amiga visitou Puerto Varas e disse que eu iria gostar de lá, por causa dos muitos passarinhos que viu na cidade. Me presenteou com uma caneca do “chucao”, ave que é praticamente um símbolo da região. Fiquei com o bicho na cabeça desde então. Tempos depois surgiu a oportunidade perfeita para conhecer Puerto Varas: a Feria de Aves de Sudamérica, que este ano foi sediada no Chile.

Um pedacinho da Feria de Aves de Sudamérica 2017
Foram três dias de feira, com stands de turismo, educação, equipamentos ópticos, fotografia, livros e muito, mas muito artesanato. Tanta coisa bonita, deu vontade de levar tudo pra casa! Como era de se esperar, muitos chilenos estavam apresentando seus trabalhos, mas também haviam bolivianos, colombianos, peruanos e vários argentinos. Brasileiros estavam em falta, mas encontramos o Daniel Cywinski do Projeto Aves de Paraty, que levou o stand e também participou do simpósio de educação que aconteceu no primeiro dia da feira. Soube que também estava lá o Fred Crema, da Maritaca Expeditions, mas infelizmente não consegui encontrar ele.

Brasileiros na feira! Visitando o stand do Projeto Aves de Paraty, da Associação Cairuçu. Da esquerda para a direta: Daniel, Passarinhóloga e Victor
Puerto Varas fica na região de Los Lagos e está cercada de muita área verde e parques nacionais. Sua localização central é ótima para ter acesso à todos esses lugares. Infelizmente choveu muito durante nossa estadia, mas fizemos o possível para tirar o máximo proveito da viagem. Participamos de algumas saídas para observação de aves organizadas pela feira e também fizemos outros passeios por conta própria. Segue um resuminho de cada lugar.
Humedales de Quenuir
Durante a feira rolaram algumas saídas para observação de aves nas proximidades de Puerto Varas. Uma das opções mais tentadoras era uma visita à pinguineira de Chiloé. Foi difícil dizer não para pinguins-de-magalhães, mas como já tive a oportunidade de observá-los na Ilha Magdalena, acabei optando por um passeio aos “Humedales de Quenuir”.
Para chegar lá primeiro foi preciso pegar a estrada até Maullín, uma pequenina cidade localizada à margem do rio de mesmo nome. De lá tomamos uma pequena embarcação que nos deixou em um local chamado Bajo Quenuir. Durante o percurso pela água pudemos observar uma infinidade de biguás (pelo menos três espécies diferentes) e muitos pelicanos. Sim, pelicanos! Essa ave enorme é bastante comum na costa do Chile, mas deixou todos os turistas estrangeiros espantados. Eu fiquei simplesmente maravilhada com o colorido do bico e o azul da bolsa gular.

Pelícano Común | Peruvian Pelican (Pelecanus thagus)
Com áreas úmidas e pequenas lagoas, Bajo Quenuir é um lugar interessante para observar aves limícolas como maçaricos, marrecos, garças, cisnes (vimos um coscoroba chocando!) e outras aves que gostam de ambientes úmidos, como a viuvinha-de-óculos e o caminheiro-de-espora. Naquela manhã registrei 43 espécies e se não me engano o grupo como um todo registrou 52 (estávamos em umas 20 pessoas).

Zaparito Común | Whimbrel | Maçarico-de-bico-torto (Numenius phaeopus)
Flores amarelas alegravam a paisagem em Bajo Quenuir (assim como em quase todos os lugares por onde passamos na região de Los Lagos). Conhecida no Chile como Espinillo Alemán (Ulex europeaus), essa planta é bonita mas constitui um problemão. Nativa da Europa, a flor foi trazida pelos colonizadores alemães no século XVII para ser utilizada como cerca viva. Acabou se espalhando descontroladamente e hoje constitui uma espécie exótica invasora que ameaça seriamente o ecossistema.

Bajo Quenuir
Puerto Varas
A cidade tem uma avifauna urbana muito abundante, com duas espécies que são especialmente fáceis de observar: o chimango (rapinante que também pode ser observado no sul do Brasil) e a curicaca-de-coleira, parente próxima da nossa curicaca.

Tiuque | Chimango Caracara | Chimango (Milvago chimango)

Bandurria | Black-faced Ibis | Curicaca-de-coleira (Theristicus melanopis). Foto: Victor Skrabe
Vale a pena caminhar pelo Parque Phillipi, onde é possível ver muitos “fío-fíos” (Elaenia albices), “cometocinos patagónicos” (Phrygilus patagonicus; este passarinho bonito que ilustra a capa do post) e quero-queros. Repare que os quero-queros chilenos são um pouco diferentes dos nossos, pertencendo à outra subespécie.

Tero | Southern Lapwing | Quero-quero (Vanellus chilensis fretensis)
Perto do Lago Llanquihue, andando pela costanera de Puerto Varas, dá para observar gaivotas, maçaricos, andorinhas e muitos “churretes” (Cinclodes patagonicus).

Churrete Común | Dark-bellied Cinclodes (Cinclodes patagonicus)
Um dia, pertinho do hotel onde acontecia a feira, encontramos um grande bando de periquitos numa árvore de flores vermelhas. Estava nublado e havia pouca luz. Na hora não percebi, mas depois olhando as fotos reparei que alguns periquitos tinham a maxila (parte de cima do bico) longa e outros tinham a maxila muito curta. Foram dois lifers em uma tacada só: “choroy” (Enicognathus leptorhynchus) e “cachaña” (Enicognathus ferrugineus).

Choroy | Slender-billed Parakeet (Enicognathus leptorhynchus)

Cachaña | Austral Parakeet (Enicognathus ferrugineus)
Vulcão Osorno
Passeio rápido que fizemos para ver o vulcão e conhecer a estação de esqui. Este passeio não é para observar aves, a menos que você opte por uma trilha na parte mais baixa do parque. Não tivemos tempo, mas gostaria de ter feito o Sendero El Solitario.
Puerto Montt
Puerto Montt fica a poucos quilômetros de Puerto Varas, mas é uma cidade sem tantos atrativos turísticos. Ainda assim, vale a pena passar por lá para conhecer o Mercado de Peixes Angelmó. Bagunçado e pitoresco, deve ser um dos poucos lugares que sobreviveu à onda de gourmetização. Por causa do tráfico intenso de barcos pesqueiros a praia é suja, ainda que povoada por gaivotas, biguás, maçaricos e pelicanos. Mas a verdadeira atração do lugar são os leões-marinhos!

Leão-marinho-sul-americano (Otaria flavescens)
Parque Nacional Alerce Andino
Chuva, chuva e mais chuva. Fizemos a caminhada de 4 km (8 km, se contar ida e volta) até a famosa árvore milenar debaixo de um aguaceiro só. Uma pena, porque o parque é lindo, mas foi difícil curtir a caminhada com tanta chuva. O velho alerce impressiona bastante, mas acho que gosto mais do nosso jequitibá gigante, no Parque Estadual de Vassununga. Eu sei, a comparação é difícil. Quem sabe um dia eu volto (para ambos os parques) e tiro a dúvida.
Volta ao Lago Llanquihue
Em nosso último dia de viagem alugamos um carro e demos a volta ao lago. São mais ou menos 200 km, passando por vários pontos interessantes do Parque Nacional Vicente Pérez Rosales e uma porção de cidadezinhas simpáticas. Neste dia não choveu (muito) e conseguimos curtir mais o passeio. O birdwatching já começou da janela do carro, com direito a muitas curicacas-de-coleira, chimangos, “jilgueros” (Spinus barbatus) e “loicas” (Sturnella loyca).

Loica Común | Long-tailed Meadowlark (Sturnella loyca). Foto: Victor Skrabe
Duas paradas merecem destaque: os Saltos de Petrohué e a Laguna Verde. No primeiro lugar você pode ver as corredeiras do rio Petrohué, que são realmente lindas. A água é de um azul indescritível. E ainda encontramos um “pato cortacorrientes” (Merganetta armata) mergulhando naquelas águas geladas. Só tinha visto esta espécie uma única vez, em Torres del Paine. Lá vi uma fêmea com filhote; em Saltos de Petrohué vi um macho. Acho que agora o lifer está completo, né?
Mas eu comecei o texto falando do “chucao”, lembram? Completávamos uma semana na região de Los Lagos, era nosso último dia por lá e nada de ver a ave que mais motivou esta viagem. Até que chegamos em Laguna Verde. Eu nem sabia que este lugar existia, nós só paramos o carro ali porque vimos uma raposinha no estacionamento.

Raposa-cinzenta (Lycalopex griseus)
Depois de fazer um verdadeiro ensaio fotográfico da raposa (que já está super domesticada pelos visitantes), resolvemos fazer a pequena trilha ao redor da tal da lagoa verde. Caminhamos poucos metros e comecei a escutar um canto muito peculiar: era o “chucao”! Ok, o desafio agora era conseguir ver ele. O bicho não para um segundo, fica sempre no meio da vegetação fechada, e pra complicar o lugar estava cheio de turistas que não faziam ideia do que estávamos procurando. Depois de muita espera a ave resolveu cruzar a trilha e ficou exposta por alguns instantes. Foi o tempo de pedir pra um casal que se aproximava parar (por sorte havia uma placa com a foto do chucao no local e eu comecei a apontar para ela como uma louca) e bater o click da câmera. E voilà!

Chucao | Chucao Tapaculo (Scelorchilus rubecula), o passarinho da caneca!
A foto ficou tremida mas vou lembrar pra sempre da emoção que foi este instante! E foi com a sensação de missão cumprida, aos 45 do segundo tempo, que voltamos para casa.
1 Comentário
buenas fotos de pajaros chilenos ,incluso el chucao