Amo fazer listas, faço pelo menos uma por dia. Virou um verdadeiro vício! Mas nem sempre foi assim. Quando comecei a observar aves eu achava muito difícil fazer uma lista. Afinal, não reconhecia todos os pássaros que encontrava. Também não via muito sentido em ficar registrando nomes de espécies em um caderninho, pois provavelmente ninguém mais teria acesso a essas anotações. Hoje me arrependo de não ter iniciado esses registros antes. Vou explicar porquê.
Para organizar suas observações
Um dia bateu uma curiosidade: quantas espécies de aves eu já havia avistado? Comecei lentamente a rascunhar minha life list (nome gringo dado à lista pessoal onde reunimos todas as aves que já vimos em nossa vida, encontradas livres na natureza, sem contar as de gaiola ou zoológico). A primeira ave de que tenho lembrança é a gralha-azul, pois marcou minha infância durante uma viagem ao Paraná. Também lembrei das tesourinhas e das seriemas, que via na casa do meu avô, no interior de São Paulo. Então minha memória ornitológica precisou dar um salto temporal, até a época da faculdade, quando comecei a observar aves propriamente.
Organizar minha life list foi o gatilho para começar a fazer outras listas. De repente eu queria saber quais eram as aves que eu via no caminho para o trabalho, quais visitavam meu quintal. Também comecei a manter uma lista das aves que já havia observado na minha cidade. É incrível o poder que existe em reunir informações que parecem tão insignificantes quando fora de contexto. Comecei a tomar maior consciência dos períodos reprodutivos, dos movimentos migratórios, do horário em que algumas aves estão mais ativas. Até hoje, avistar uma espécie que eu ainda não havia registrado na região é sempre motivo de festa!

Eu fazia as anotações de qualquer jeito e ia jogando os papéis soltos em uma pasta. Várias vezes tentei organizar as informações em planilhas no Excel, mas a tarefa invariavelmente ficava pela metade. Afinal, sempre observei aves por diversão e não queria tornar aquilo um martírio ou uma obrigação. Um dia descobri o Táxeus e finalmente botei ordem naquela bagunça toda. O Táxeus é uma plataforma online que permite que você crie listas de aves, mamíferos, anfíbios e répteis brasileiros. Foi muito útil e até hoje utilizo a plataforma quando preciso de uma lista bem bonita e organizada.
Quando você vai mantendo listas deste tipo, alimentando-as sempre com novas descobertas que faz pela cidade ou pela região, consegue perceber sua evolução como observador, percebe como sua capacidade de encontrar as aves e identificá-las melhora com o tempo. É muito gratificante!
Para contribuir com a ciência e a conservação das aves
Hoje a ciência cidadã está super na moda e existem dezenas de projetos que permitem que qualquer pessoa possa contribuir coletando dados, que depois serão analisados por pesquisadores. Na Ornitologia temos vários exemplos de sucesso que utilizam este tipo de abordagem, alguns com mais de 100 anos de existência (como o Christmas Count, organizado nos EUA desde 1900 pela National Audubon Society). Algumas plataformas que ajudam os pesquisadores na obtenção de dados sobre aves por meio da ciência cidadã são: o Táxeus, o WikiAves, o iNaturalist e o eBird (meu favorito atualmente).
O eBird, semelhante ao Táxeus, também é uma plataforma de gerenciamento de listas de aves, mas apresenta muito mais recursos. Foi criado em 2002 pelo Laboratório de Ornitologia de Cornell, mas meu primeiro contato com esta plataforma foi só em 2013. Eu havia feito uma viagem internacional e estava louca pra organizar a lista das espécies que havia observado (o Táxeus só permite criar listas de aves que ocorrem no Brasil). Acabei submetendo algumas listas no eBird, mas na época achei a plataforma um pouco complicada e a abandonei por um tempo.
Felizmente nos últimos anos o eBird passou por várias atualizações, ficou bem mais amigável e agora está disponível em português. Tem até aplicativo para celular, facilitando muito o registro das listas em campo. Mas o eBird não aceita qualquer tipo de lista (como aquelas mais gerais que eu fazia antigamente, que juntavam dados obtidos ao longo de vários dias ou mesmo anos de observações). As listas devem resultar de observações feitas em um local determinado e por um período de tempo definido, entre 5 minutos e algumas horas.

Por exemplo, eu visito o parque da minha cidade uma vez por mês. Ao invés de manter uma única lista com todas as aves que já observei por lá, agora submeto pelo menos uma lista no eBird cada vez que vou ao parque. Claro que são listas menores, e muitas espécies se repetem nestas listas. Mas há muito mais informação contida nestas várias pequenas listas do que em uma grande lista geral. Analisando um volume muito grande destas pequenas listas, geradas por vários observadores de aves (hoje há quase 600 mil usuários cadastrados no eBird), pesquisadores de todo o mundo podem estudar a distribuição geográfica das espécies, migrações, padrões de comportamento, efeitos da urbanização e das mudanças climáticas sobre as aves… São inúmeras possibilidades!
Conheço ornitólogos e observadores de aves das antigas que passaram semanas e até mesmo meses transferindo os dados rabiscados em suas velhas cadernetas de campo para o formato digital do eBird. Agora essas informações tão importantes estão eternizadas e disponíveis para toda a comunidade científica.
Hoje contribuo com pelo menos uma lista por dia. Geralmente observo aves da janela de casa mesmo, enquanto tomo o café da manhã. Pode parecer pouco, mas esses registros únicos somam-se aos registros feitos por outros observadores de aves da cidade, do estado, do país e do mundo. Imagine se houvesse um birdwatcher em cada bairro, em cada quarteirão? Quanta informação importante não seria coletada todos os dias? São dados como esses que permitem definir quais espécies encontram-se mais ameaçadas e devem ser priorizadas em ações estratégicas para a conservação. Faço uma confidência: fazer listas trouxe um novo sentido para minhas passarinhadas, renovou por completo minha relação com a observação de aves.
Ah! O eBird também faz uma coisa muito legal: ele cria sua life list automaticamente, baseada em todas as listas que você já submeteu à plataforma. Também dá para analisar suas listas por localidade, comparar suas observações ano a ano e até mesmo compartilhar uma lista com outras pessoas que estavam passarinhando junto com você. É uma ferramenta muito completa e que ajuda muito o observador de aves.