Quando decidimos conhecer o Camboja planejamos visitar as ruínas de Angkor e um parque chamado Preak Toal Bird Sanctuary. Soube deste parque por meio de um guia turístico impresso, que só informava que a melhor época para visitá-lo é entre Fevereiro e Abril. Chegando em Siem Riep todas as agências de turismo informaram que nós até poderíamos ir até o parque em Maio, mas que não veríamos quase nenhuma ave lá. Ficamos com um dia livre na agenda, que foi rapidamente preenchido após uma busca rápida na internet e uma visita à uma agência de turismo de observação de aves, ali mesmo em Siem Reap.
Geralmente é preciso agendar passeios desse tipo com algumas semanas de antecedência, mas como estávamos na baixa temporada conseguimos marcar um para o dia seguinte. Haviam muitas opções de destinos, mas seguimos a sugestão dos guias para aquela época do ano: sair em busca de aves de rapina na região do parque arqueológico de Koh Ker, ao norte de Siem Reap.
O passeio foi fenomenal! Saímos de Siem Reap às cinco da manhã e pouco depois do nascer do sol começamos a fazer paradas rápidas na estrada para observar a enorme variedade de aves que vivem a área rural, não muito longe de Koh Ker. A primeira espécie avistada foi um casal de Greater Flameback, este pica-pau que está na capa do post. Logo depois, na segunda parada, vimos esta bela Crested Serpent-eagle, águia que, como o nome diz, alimenta-se de cobras e outros répteis.
Aves de rapina adoram campos abertos, onde é mais fácil procurar por presas. Algumas espécies ficam sempre nos mesmos poleiros. É o caso do pequeno Collared Falconet, que caça borboletas e outros insetos alados. Outras espécies, como o Black-shouldered Kite, procuram suas presas lá do alto, voando. Este gavião tem o mesmo comportamento de pairar – voando sem sair do lugar – que seu parente sul-americano, o gavião-peneira.
Claro que não vimos apenas aves de rapina. Um bando animado de Sooty-headed Bulbuls ocupava os galhos secos de uma árvore na beira da estrada, enquanto um Large Cuckooshrike tentava achar espaço ali para pousar e descansar. Um Leafbird, verde como uma folha, deu mole e ficou pertinho da gente por um tempão. De longe parece um passarinho sem graça, mas quando você observa com o binóculos leva um susto, como o bicho é bonito!
Às oito horas da manhã o dia já estava muito quente. Muitas andorinhas (Crested Treeswifts e Barn Swallonws) rodopiavam acima de nossas cabeças, caçando insetos no ar. Um par de Red-wattled Lapwing passou voando, ia para longe. Essa ave pertence ao gênero Vanellus, o mesmo do nosso quero-quero.
Um show a parte foi assistir um Burmese Shrike caçando insetos e alimentando a cria, que esperava ansiosa num arbusto baixo. Os gafanhotos não tiveram nenhuma chance, de cinco em cinco minutos o adulto aparecia com mais um no bico para oferecer ao filhotão.
Às nove horas o sol já estava insuportavelmente quente, não sei quantos graus fazia mas chuto que estava perto dos 40 graus. Talvez mais. Chegamos à deliciosa sombra das árvores do parque arqueológico de Koh Ker. Passarinhamos ao redor de várias ruínas, antigos templos com cerca de mil anos de idade. Agora sim nosso guia, Nara, iria demonstrar toda sua habilidade. Como é difícil encontrar as aves num ambiente tão fechado!
Descobrimos que a floresta de Koh Ker é lar de uma variedade de pica-paus: Black-headed Woodpeacker, Grey-headed Woodpecker, Greater Yellownape, Great Slaty Woodpecker e outros. Perto do templo Prasat Pram também avistamos o belíssimo rapinante Rufous-winged Buzzard.
Depois do almoço seguimos para o templo mais famoso de Koh Ker, a pirâmide de sete degraus. Ela é totalmente diferente de todas as outras ruínas, lembrando muito as construções dos maias, na América Central. Enquanto esperava o maridão subir a pirâmide (nem cogitei subir, já falei que fazia muuuito calor?) assinalei mais um lifer em minha lista: um jovem Shikra pousou no muro de pedras ao lado.
Pela tarde achei que não conseguiria mais suportar o calor, pensei seriamente em pedir para o guia encerrar o passeio mais cedo. Estava pensando nisso quanto apareceu, do nada, um Hornbill. Deste que chegamos na Ásia estava sonhando com essa ave! Ele passou voando bem na minha frente, um Oriental Pied Hornbill. Foram cinco segundos que pareceram durar uma eternidade. Nara achou engraçado. Como é? Você nunca tinha visto um Hornbill? Provavelmente a mesma reação que eu teria com um estrangeiro no Brasil que nunca tivesse visto um tucano.
Esqueço o calor e saímos à procura do Hornbill, que desapareceu no meio das árvores. Encontramos três Red-billed Blue Magpies, um bando de Bar-winged Flycatcher-shrikes (nome longo para um passarinho bem pequeno), Hair-crested Drongos e um simpático White-rumped Shama. O Hornbill só vemos de relance, lá longe, mais uma vez. Tudo bem, valeu cada segundo!
Hora de pegar o carro e seguir em frente. No caminho, de dentro do carro mesmo, ainda avistamos a pequena Asian Barred Owlet e, para fechar, um bando de Bee-eaters!
Mas, ainda não acabou. Eu nem lembrava mais, mas o passeio só acabava em Beng Mealea, um conjunto de ruínas que fica no caminho de volta à Siem Reap. E foi assim, sem dar muita bola, que descobri o lugar mais legal do Camboja, pelo menos na minha humilde opinião. Beng Mealea é uma pequena cidade de pedra, totalmente dominada pela floresta. Figueiras crescem por cima de tudo, derrubando tudo em seu caminho. É lindo. É assustador. Imagine que essa cidade já foi o auge de sua época, e agora está completamente abandonada, a não ser pelos turistas.
Beng Mealea ficou sem foto aqui no post simplesmente porque não há imagem que descreva a sensação de estar ali e andar por aquelas ruínas. E ainda descobrir um último lifer antes de ir embora! Cantando, lá no alto de uma das figueiras, estava um Hill Myna.
Fechamos o passeio com 49 espécies. Foi espetacular e uma das melhores experiências de observação de aves que já tive. Já estou aqui planejando, quem sabe daqui alguns anos, voltar ao Camboja. Nosso guia disse que Fevereiro é o melhor mês do ano para passarinhar por lá…