Identificar aves em um país biodiverso como o Brasil pode ser um grande desafio. A avifauna brasileira é composta de quase duas mil espécies. Só para ter uma ideia, em um único município de porte médio podemos encontrar algo em torno de 250 espécies de aves (quando não números muito superiores), o que equivale a toda a avifauna de um país como a Noruega ou até mesmo Madagascar. Ainda assim, identificar nossas aves não é tarefa impossível e com um pouco de treino e paciência todos podem aprender a reconhecer as características que permitem distinguir uma espécie das outras.
Identificação visual
Ter acesso a um bom guia de campo é essencial para identificar uma ave com base em suas características externas. Procure no guia por ilustrações/fotos que sejam parecidas com a ave que gostaria de identificar. Alguns detalhes podem facilitar a busca:
Formato do corpo → Cada grupo costuma ter uma silhueta bem característica, um “jeitão” que você vai aprendendo a reconhecer de longe. O formato do bico e dos pés também varia muito.

Tamanho → Quanto mais distante estamos de uma ave, mais difícil é estimar seu tamanho. Tenha em mente também que as fotos e ilustrações de um guia de campo não estão em tamanho real e é muito fácil se enganar. Por isso, consulte no texto qual é o tamanho da ave em questão.

À direita: garça-branca-pequena (Egretta thula), que mede em torno de 50 cm.
Cores → Preste atenção nas cores da plumagem, dos pés e do bico. Pequenos detalhes na distribuição das cores podem ser imprescindíveis para a identificação de uma ave. Estudar um pouco sobre a morfologia das aves também ajuda muito no reconhecimento destes padrões.

Dimorfismo sexual e idade → Na maioria das aves, machos e fêmeas são idênticos do ponto de vista externo e dizemos que não há dimorfismo sexual. Porém encontramos diferenças entre os sexos em algumas espécies, que podem ser sutis ou muito pronunciadas. Em alguns casos a diferença entre macho e fêmea é tão grande que à primeira vista eles nem parecem pertencer à mesma espécie. Leve em consideração que a maioria dos guias de campo dá ênfase aos machos, pois quando há dimorfismo sexual eles são mais coloridos e costumam ser mais fáceis de identificar do que as fêmeas.

A idade também é um fator importante a ser considerado, pois aves jovens costumam ter coloração diferente do padrão do adulto. Filhotes e juvenis geralmente têm plumagem mais críptica, ou seja, apresentam cores que os ajudam a se camuflar no ambiente e evitar predadores.

Distribuição geográfica → Geralmente os guias de campo incluem um pequeno mapa na ficha de cada espécie, informando sua área de ocorrência. Verifique se a ave em questão ocorre no local onde foi observada (claro que é possível observar uma ave fora da área de ocorrência conhecida, mas é bastante raro). É muito comum confundir uma espécie estritamente amazônica com uma espécie semelhante encontrada somente na Mata Atlântica, por exemplo.

Observe nos mapas (que foram obtidos no WikiAves) que a distribuição geográfica dessas duas espécies é bastante diferente, com pequena sobreposição.
Comportamento → Preste atenção ao tipo de ambiente onde a ave foi observada (cidade, campo, floresta, lago, praia…), pois essa informação permite reduzir bastante o número de espécies mais prováveis. Por exemplo, aves de hábitos florestais raramente serão observadas em um pasto. Observe se a ave permanece mais no solo ou se prefere o alto das árvores. Algumas famílias de aves apresentam comportamentos típicos, como os pica-paus e arapaçus que utilizam a cauda para se apoiar sobre os troncos.

Uma dica para quem está começando a observar aves é utilizar o aplicativo gratuito Merlin Bird ID. Ele auxilia na identificação partindo de algumas informações simples (cores, tamanho aproximado, local onde a ave foi observada) e, caso você tenha um registro fotográfico da ave em questão, o aplicativo pode analisar a foto por meio de inteligência artificial e sugerir as espécies mais prováveis. Já comentei o funcionamento deste app aqui.
Identificação sonora
Aprender a reconhecer os cantos e os chamados que as aves emitem (conhecidos como vocalizações) amplia muito nossa capacidade de identificação. Cada espécie de ave produz um conjunto único de vocalizações, o que lhe confere uma verdadeira “assinatura sonora”. Aves que pertencem a uma mesma ordem ou família podem ter um mesmo “estilo” ou padrão de vocalização, mas não há duas espécies que cantem exatamente igual. Porém, existem algumas aves que imitam o canto de outras espécies e podem nos confundir!

De fato, muitas vezes as vocalizações podem ser essenciais para identificar corretamente espécies de aves que são visualmente muito parecidas. É o caso clássico das espécies do gênero Elaenia (popularmente conhecidas como guaracavas), que são morfologicamente muito semelhantes entre si mas têm vocalizações completamente diferentes.
O Xeno-Canto, a Fonoteca Neotropical Jacques Vielliard e o WikiAves são ótimos sites onde podemos escutar gravações de vocalizações de aves. Eles também disponibilizam o sonograma de cada vocalização, uma representação gráfica dos sons que pode ser muito útil para comparar vocalizações e estudá-las.
Algumas aves emitem sons tão característicos e fáceis de reconhecer que recebem nomes populares de origem onomatopeica: bem-te-vi, quero-quero, fim-fim, bentererê…

Geralmente prestamos mais atenção aos cantos, que são manifestações sonoras complexas que a ave produz a partir de um órgão especial chamado de siringe (aves não possuem cordas vocais). Porém, muitas aves também produzem outros tipos de sons, não vocais, igualmente úteis para a identificação, tais como:
- o tamborilar dos pica-paus (som produzido pela batida rápida do bico em um tronco, com o suposto propósito de comunicação de longa distância e demarcação de território, e não de procura de alimento ou escavação de um ninho);
- sons produzidos pela fricção de penas especiais, como por exemplo o ruído que a pombinha fogo-apagou (Columbina squammata) produz ao voar ou os estalos emitidos pelos machos de rendeira (Manacus manacus) ao bater as asas quando se exibem para as fêmeas.
É mais fácil escutar uma ave do que vê-la. Uma passarinhada certamente será muito mais proveitosa se atentarmos para nossos ouvidos e aprendermos a desfrutar da riqueza das paisagens sonoras.
Bibliografia consultada
Butler, R. A. (2019) Total number of bird species by country. Mongabay. Acesso em set. 2023.
Stark, R. D. et al (1998) A quantitative analysis of woodpecker drumming. The Condor, v. 100, p. 350-356.
WikiAves (2023) [Mapa de registros da espécie quete-do-sudeste (Microspingus lateralis)]. WikiAves, a Enciclopédia das Aves do Brasil. Acesso em set. 2023.
WikiAves (2023) [Mapa de registros da espécie quete-do-sul (Microspingus cabanisi)]. WikiAves, a Enciclopédia das Aves do Brasil. Acesso em set. 2023.