De um ponto de vista logístico, Santa Cruz é a principal ilha de Galápagos. É lá que fica a maior cidade do arquipélago: Puerto Ayora. É para lá que você vai depois de chegar ao aeroporto de Baltra (que fica na ilha ao lado; mas também existe um aeroporto na ilha San Cristóbal). Muitos barcos fazem a conexão entre Santa Cruz e as maiores ilhas de Galápagos. Ou seja, é difícil visitar o arquipélago e não passar por Santa Cruz.
Chegando em Puerto Ayora já dá para começar a passarinhar. Na ausência de pardais, tentilhões oportunistas aprenderam a usufruir das fontes de alimento abundantes que surgiram com a urbanização. Não é difícil vê-los entre as mesas dos restaurantes procurando migalhas. Mas pouca gente repara nestes pequenos passarinhos. Quem rouba a cena são os pelicanos, grandes e desengonçados, que estão sempre em busca de alimento fácil no mercado de peixes da cidade.
Mercado de peixes em Puerto Ayora (com direito a cenas em slow motion, by Victor Skrabe).
Os pelicanos não deixam os pescadores em paz. Muitos se aglomeram ao redor do pequeno mercado, um show a parte para os turistas. O pelicano da capa do post, mais colorido, é um adulto. Os pelicanos mais jovens têm a plumagem amarronzada.
A fartura de alimentos do mercado de peixe também atrai as fragatas (também conhecidas como tesourões). Piratas do ar que são, furtam nacos de peixe de mãos e bicos distraídos. São aves magníficas que, embora comuns no litoral brasileiro, eu nunca tinha visto tão de perto!
A garça-azul-grande, parecida com nossa garça-moura, também é cliente assídua do mercado. Não dá pra acreditar que uma ave tão delicada possa ser tão agressiva: sai bicando todos os pelicanos desavisados (veja no vídeo acima!).
Bem mais discreto, o savacu-de-coroa fica escondido no mangue. Por falar em mangue, não muito longe do mercado de peixes há uma pequeníssima área de preservação chamada Laguna de las Ninfas. Ali várias placas explicam que existem diferentes tipos de mangue em Galápagos e ressaltam a enorme importância deste tipo de vegetação no ecossistema. É um bom lugar para ver mariquitas-amarelas, mockingbirds e tentilhões.
Caminhando até o final da avenida principal de Puerto Ayora você chega ao Centro de Pesquisas Charles Darwin. Ali o turista é convidado a conhecer os projetos desenvolvidos pela Fundação Charles Darwin, que incluem o manejo de exóticas invasoras que chegaram às ilhas (como ratos, formigas e plantas), o monitoramento de espécies ameaçadas e o programa de reprodução e reintrodução de tartarugas-gigantes.
Os recintos que abrigam as tartarugas-gigantes têm muita vegetação nativa, com vários exemplares de cactus do gênero Opuntia. São cactus gigantes endêmicos (ou seja, só existem em Galápagos), alguns com o porte de árvores, cujas flores e sementes são a base da alimentação do tentilhão-dos-cactos. É bem fácil encontrar este pássaro ali, é só procurar nas flores amarelas dos cactos.
Por falar em plantas, não posso deixar de falar das escalésias, plantas que pertencem à família das margaridas (Asteraceae). Em todo o arquipélago existem 15 espécies do gênero Scalesia, todas endêmicas. Mas as escalésias são bastante diferentes umas das outras: algumas espécies não passam de pequenos arbustos, outras alcançam até 20 metros de altura. Possivelmente todas as 15 espécies são descendentes de uma mesma planta ancestral, sendo consideradas um equivalente vegetal dos tentilhões de Darwin. Assim como os tentilhões, as escalésias se adaptaram aos diferentes ambientes e condições existentes em cada ilha.
Em Santa Cruz existem duas crateras de origem vulcânica muitos visitadas, conhecidas como Los Gemelos. Ao redor destas crateras há uma floresta de escalésias gigantes (S. pedunculata) onde podem ser encontradas muitas espécies de aves endêmicas, como o Woodpecker finch (Camarhynchus pallidus) e o Green Warbler-finch (Certhidea olivacea).
Perto de Los Gemelos há uma reserva/fazenda chamada El Chato, onde é possível ver muitas tartarugas-gigantes caminhando livremente. Também há alguns túneis de lava muito interessantes neste lugar. Mais curioso, foi lá que encontrei pela primeira vez duas aves extremamente comuns no Brasil: a garça-vaqueira e o anu-preto!
A ilha Santa Cruz é ponto de partida para muitos tours que levam os turistas até ilhas próximas e não habitadas. São passeios de um dia, saindo pela manhã e voltando mais a tarde. As distância são grandes, por isso grande parte do tempo é gasto no deslocamento de barco. Um dos passeios que fizemos foi até a ilha Seymour Norte, povoada por iguanas-terrestres, atobás-de-pé-azul, fragatas e gaivotas.
Apesar de não ser endêmico de Galápagos, o atobá-de-pé-azul é muito abundante nesta ilha, onde há uma grande colônia de reprodução. É uma ave carismática que encanta todos os turistas com seu aspecto engraçado e seus passos de dança desajeitados. O pé azul é um importante indicativo da condição nutricional da ave: quanto mais azul, mais saudável é o indivíduo. Não é a toa que os pares fazem questão de ficar mostrando seus pés uns para os outros, ressaltando suas qualidades azulísticas para o possível futuro parceiro.
Em Seymour Norte você pode assistir a dança do atobá-de-pé-azul de camarote, a pouquíssismos metros dos casais. É uma experiência única! Estivemos em Galápagos em Abril e pudemos ver o namoro dos casais, assim como ninhos com ovos e também filhotes.
O ninho não é lá muito elaborado, difícil até chamar de ninho. Mas é facilmente reconhecido pelo círculo branco ao redor dos ovos/filhotes, formado pelo acúmulo de excrementos dos pais. Na foto abaixo está um pouco apagado, mas dá para ver um alo mais claro ao redor do ninho.
Um espetáculo a parte são os machos de fragatas, que nesta época do ano estão se exibindo para as fêmeas com enormes bolsas vermelhas e infladas de ar (chamadas de “sacos gulares” pelos ornitólogos). Eles passam horas nesta posição, sob um sol muito forte.
Outro passeio que fizemos foi para conhecer a ilha Bartolomé. O objetivo principal era ver os gaviões-de-galápagos (Buteo galapagoensis), que costumam ficar descansando no alto do mirante da ilha. Infelizmente naquele dia não havia nenhum gavião ali. Foi super frustrante, mas a tristeza passou rápido: logo depois durante um mergulho de snorkel na baía de Sullivan, apareceu um bando de pinguins-de-galápagos! Era uma espécie que não esperávamos encontrar ali e foi emocionante nadar com os pinguins, ainda que por apenas uns 5 minutos. Nunca tinha feito um lifer debaixo d’água!
Na volta o barco passou ao lado da ilha Daphne Mayor, um costão rochoso cheio de vida. Vimos atobás-de-nazca, pelicanos-pardos, gaivotas-de-rabo-de-andorinha, trinta-reís-escuros e petréis.
Depois de visitar vários atrativos da ilha Santa Cruz e redondezas, chegou a hora de encarar a travessia (duas sacolejantes horas de barco) até a ilha Isabela, nossa próxima parada.
Observação: para quem chegou agora e não está entendendo nada… dividi o relato da viagem à Galápagos em 4 posts:
- Passarinhando em Galápagos, Equador (um quadro geral)
- Galápagos #1 – Ilha Santa Cruz
- Galápagos #2 – Ilha Isabela
- Galápagos #3 – Ilha San Cristóbal