Boa Nova é uma pequena cidade no sul da Bahia, conhecida já há algum tempo como o paraíso das aves. Lá podem ser encontradas mais de 400 espécies de aves! Tamanha riqueza é possível pois Boa Nova está situada em uma zona de transição entre a Caatinga e a Mata Atlântica, com trechos de uma vegetação conhecida como mata de cipó.
Estive lá no começo de Novembro para participar do primeiríssimo AveNova, encontro de observadores de aves promovido pelo Instituto Adroaldo Moraes e que foi possível graças a um grande número de patrocinadores e apoiadores. O evento contou com várias palestras, rodas de conversa e passarinhadas para quatro lugares próximos, que vou comentar mais abaixo.
Não tem como falar de Boa Nova sem citar o gravatazeiro, este passarinho simpático que ilustra a capa do post. O gravatazeiro é uma ave encontrada na mata de cipó, que vive em associação com grandes bromélias terrestres conhecidas como gravatás, por isso o nome popular desta ave. O ninho do gravatazeiro é construído no chão e cercado por gravatás, o que dificulta o acesso ao ninho por predadores, assim como por pesquisadores. O único registro que se tem de um ninho de gravatazeiro foi feito pelo biólogo Edson Ribeiro, que esteve presente no AveNova para falar desta espécie e do trabalho de conservação promovido pela SAVE Brasil que ele encabeçou em Boa Nova durante 14 anos.
Boa Nova também é lar do famoso Lajedo dos Beija-flores, destino já consagrado de observadores de aves de todo o mundo. A propriedade particular é administrada pelo casal Ester Ramirez e Marcos Holanda, que estiveram na região em 2014 e se apaixonaram pelo lugar. Ester é fotógrafa de aves renomada: em 2017 alcançou a façanha de ocupar o primeiro lugar no ranking do WikiAves, na época com 1.450 espécies registradas. Até hoje ela está entre os três primeiros colocados. Durante o AveNova, Ester e a também ilustre fotógrafa Kacau Oliveira conduziram uma roda de conversa sobre o potencial de comedouros e bebedouros para atrair aves e como posicioná-los para obter boas fotografias.
Ao longo do evento Kacau e Ester também falaram sobre empreendedorismo e infraestrutura no turismo de observação de aves. Destaco também a roda de conversa sobre diversidade de aves da Bahia, conduzida por Ester e Osmar Borges. Depois da apresentação deles cheguei a conclusão de que vou precisar visitar muitas vezes este estado para poder ter um vislumbre de sua avifauna. São muitos lugares interessantes para conhecer e oito espécies de aves exclusivas da Bahia, que não podem ser vistas em nenhum outro lugar.
Pedra da Janela
A primeira passarinhada aconteceu num final de tarde em um afloramento rochoso conhecido como Pedra da Janela, em área de Caatinga. Fomos acompanhados pelos guias Josafá Sampaio e Josafá Filho, que foram muito atenciosos. Encontramos o lajedo coberto por um grande números de pequenos cactos conhecidos como cabeça-de-frade. Naquele horário as pequeninas flores cor de rosa estavam abertas e atraíam um grande número de beija-flores: beija-flor-vermelho, besourinho-de-bico-vermelho, beija-flor-tesoura, beija-flor-de-peito-azul.
Josafá e Josafá Filho também nos mostraram os gravatás e seus célebres residentes: um casal de gravatazeiros! Retornando tivemos a oportunidade de ver um bacurau-da-caatinga, que infelizmente não consegui fotografar.
Mata do Charme
A segunda passarinhada aconteceu em domínio da Mata Atlântica, numa mata fresquinha e úmida. Saímos pela manhã bem cedo e em poucos minutos dentro da van já estávamos no local. A Mata do Charme, também conhecida como Mata da Alcione, fica há poucos quilômetros da área urbana e faz parte do Parque Nacional de Boa Nova, que foi criado em 2010. Foi muito interessante atravessar ambientes tão diferentes, saindo do semiárido e chegando à floresta ombrófila densa, em um trajeto tão curto.
Fomos novamente acompanhados pelos guias Josafá Sampaio e Josafá Filho. A Mata do Charme tem 396 espécies registradas no eBird, mas não é fácil fotografá-las em meio à floresta. Algumas das aves que pudemos avistar foram: balança-rabo-de-bico-torto, rabo-branco-de-garganta-rajada, borralhara, chororó-cinzento, rabo-amarelo, joão-baiano, assanhadinho, papa-moscas-estrela, vissiá e furriel.
Lajedo dos Beija-flores
A terceira passarinhada de que participei tinha como destino o Lajedo dos Beija-flores, propriedade particular que comentei anteriormente. O lugar foi pensado principalmente para os observadores de aves que gostam de fotografar: cada bebedouro, comedouro, canteiro de flores e poleiro foi cuidadosamente posicionado levando-se em consideração a direção da luz e a composição das fotos. Não é a toa que o pessoal fez as fotografias mais lindas ali!
Chegamos lá no final da tarde e encontramos uma quantidade de beija-flores estonteante. Era difícil decidir para onde olhar, porque eles passavam zunindo a todo instante. Segundo a Ester, pelo menos 17 espécies de beija-flores podem ser vistas no lajedo, porém isso depende um pouco da época do ano. No inverno o beija-flor-vermelho, por exemplo, desaparece. Ainda bem que já estávamos na primavera e pude vê-lo em todo o seu esplendor. Ao todo pude observar oito espécies de beija-flores durante minha visita ao lajedo, entre eles o balança-rabo-canela, que tem distribuição bastante restrita.
Também encontrei comedouros onde se alimentavam periquito-da-caatinga, tico-tico-rei-cinza, inhambu-chororó, corrupião e muitos outros. Oferecendo alguns tenébrios (que são larvas de um tipo de besouro), o funcionário do lajedo conseguia atrair até mesmo aves mais insetívoras, como o gravatazeiro, a choca-do-nordeste, a choca-do-planalto e uma corruíra muito gulosa.
Lá também há um lajedo propriamente dito: um afloramento rochoso com cactos e vegetação característica da Caatinga. É uma bela caminhada que permite observar aves que não são tão chegadas em comedouros, como o pequeno barulhento e o bacurau-da-caatinga.
Pé da Ladeira
A quarta e última passarinhada foi em domínio pleno da Caatinga. Saímos cedo e neste dia fez muito calor. Quem nos acompanhou foi o guia Josafá Sampaio. Fazia tempo que não caía uma chuva em Boa Nova, o que estava muito visível na condição da vegetação: tudo muito seco. Mas deu pra ver bastante bicho!
Só fiquei triste porque não consegui ver o tem-farinha-aí, apesar de escutar esta ave por todos os lados. No retorno, encontramos o grande e imponente urubu-rei, para fechar a passarinhada com chave de ouro (infelizmente ficou sem foto porque até sairmos da van ele já havia se empoleirado num galho distante).
Para saber mais sobre como foi o AveNova 2023, sugiro dar uma olhada nestas duas reportagens que saíram sobre o evento, na TV Uesb (a partir de 23:28) e na TV Sudoeste.
Apesar de ter sido um evento pequeno, realizado em uma cidade com recursos limitados (as opções de hospedagem, por exemplo, deixaram bastante a desejar), o AveNova 2023 foi um dos melhores encontros de observadores de aves de que já participei. Todos da organização foram extremamente amáveis e acolhedores, dava pra perceber que tudo ali havia sido planejado nos mínimos detalhes e com muito carinho. Eles conseguiram reunir muita gente bacana. Fiz amigos, assisti apresentações culturais locais (como os tradicionais ternos de reis) e gostei demais das passarinhadas. Também aprendi muito sobre a Bahia e seu enorme potencial para o turismo de observação de aves.
Que venha o AveNova 2024!
3 Comentários
Parabéns, um retrato fiel de Boa Nova!!!
Amei esse encontro
Tudo muito organizado.
Com vontade de ver novamente
Boas palestras e conversas.
Esse casal Alagoano mora no meu coračåo
Parabens Natalia. Muitas informações sobre pássaros que eu desconhecia, Parabens Boa Nova pela organização do encontro.