Em Fevereiro tirei férias e aproveitei pra conhecer mais um pedacinho da Patagônia. Deste vez fomos até o extremo sul da região, literalmente o fim do mundo. Apesar da distância, não é difícil chegar em Ushuaia. Bastou um voo saindo de São Paulo, com uma conexão em Buenos Aires. E foi bem mais barato que muitos destinos aqui no Brasil mesmo.
A cidade tem uma ótima infraestrutura turística. Utilizamos um serviço de transporte regular (vans) para chegar em todos os lugares que queríamos visitar, com exceção da Isla Martillo (vou falar dela mais pra frente). Em pleno verão patagônico fazia cerca de 15-18 graus durante o dia, um alívio para quem tinha acabado de sair do interior de São Paulo, que fervilhava em mais uma onda de calor interminável.
Bahía Encerrada e Navio Saint Christopher
A primeira coisa que fizemos foi caminhar ao longo da orla, na região central de Ushuaia. A Reserva Natural Urbana Bahía Encerrada fica no caminho para o aeroporto e é um ótimo lugar para avistar aves marinhas. Lá há locais para sentar e admirar a vista, além de placas que mostram as aves mais comuns na região. Encontrei muitos trinta-réis-de-bico-vermelho sobrevoando essa área, e na água havia biguás-das-shetland e patos-de-penacho. Vou usar nomes comuns em português ao longo do texto, mas nas legendas das fotos incluí os nomes em inglês e espanhol, além do científico.
Perto dali fica um dos pontos mais fotografados de Ushuaia: o navio Saint Christopher. O barco está encalhado logo em frente à cidade. Não dá para chegar muito perto dele, mas essa regra não se aplica à fauna nativa, é claro. Nas pedras ao redor do barco observei gaivotas, biguás, maçaricos e até mesmo um casal de gansos-papa-alga (cujo nome em espanhol é muito mais legal: Cauquén caranca).
Isla Martillo
A Isla Martillo é lar de uma colônia de pinguins. Mas a ilha não fica em Ushuaia: é preciso pegar um ônibus até a Estância Harberton (cerca de 2 horas de viagem) e de lá um pequeno barco para chegar até a ilha. Até onde sei, somente a agência Pira Tour organiza esse passeio.
Duas espécies de pinguins podem ser encontradas nessa ilha: a grande maioria são pinguins-de-magalhães (que eu já conhecia de uma visita à Isla Magdalena, no Chile) e, em menor número, pinguins-gentoo. A visita à ilha é acompanhada de um guia e há regras a serem seguidas, a fim de garantir o bem estar das aves.
É divertido poder observar os pinguins tão de perto. Aparentemente eles não se importam muito com nossa presença. Mas as fotos enganam: fazia muito frio nesse dia e choveu boa parte dos 60 minutos que ficamos na ilha. Me despedi da minha boa e velha câmera fotográfica, que me acompanhou nos últimos 13 anos… depois deste passeio ela nunca mais funcionou. Só tenho fotos dos outros lugares que visitei em Ushuaia porque meu marido foi uma alma caridosa e me deixou usar a câmera dele (possivelmente na versão da história dele, ele diria que não teve muita opção, rsrsr).
Na Estância Harberton também fica o pequeno Museu Acatushún, especializado em mamíferos marinhos da região. Durante o passeio é possível visitar esse museu, que tem uma história bacana e foi fundado em 2001 pela minha xará Natalie Goodall. Ah, se você for graduando em biologia ou áreas afins, sugiro dar uma conferida no programa de voluntariado deles!
Canal de Beagle
Existem várias opções de passeios de barco para conhecer o Canal de Beagle. O barco que pegamos nos levou até perto de algumas ilhotas e deu uma volta no famoso farol do fim do mundo. De longe você não imagina, mas cada uma dessas ilhotas revela uma explosão de vida em meio às águas frias. É uma passeio muito mais interessante e bonito do que eu imaginava.
Em uma dessas pequenas ilhas encontramos uma colônia de biguás-das-rochas, que recebem esse nome porque fazem seus ninhos nas paredes rochosas. É muito impressionante poder observá-los tão de perto. Infelizmente, em outras ilhas o barco se aproximou demais e acabou provacando a revoada de muitas aves, como os trinta-réis da foto abaixo. Imagino que tenha sido proposital, porque de fato a imagem de tantas aves voando juntas deixou os turistas deslumbrados. Não é uma boa prática e deveria haver mais cuidado por parte dos responsáveis. Passeios semelhantes a esse são realizados todos os dias, por diversas embarcações. Imagine o desgaste que causam nessas aves.
Parque Nacional da Terra do Fogo
A portaria do Parque Nacional da Terra do Fogo fica a cerca de 10 km da cidade de Ushuaia. Para chegar lá utilizamos um serviço de vans que sai do centro de Ushuaia em horários fixos e você escolhe em que ponto do parque quer ser deixado. Isso facilita bastante, já que você pode descer num ponto do parque, fazer uma trilha longa e, no final do dia, a van te pega em outro ponto para retornar à cidade. O único problema são os custos: o ingresso no parque vale somente por um dia (sem nenhum desconto para mais de um dia de visitação) e as vans não são baratas. Mas, em apenas duas pessoas, as vans ainda foram uma opção mais em conta (e mais prática) do que alugar um carro.
O parque tem várias opções de trilhas, que são bem demarcadas e autoguiadas. Em nosso primeiro dia optamos pela Senda Costera, que possivelmente é a mais popular. São 8 km ao longo da costa, com alguns trechos mais íngremes no final. Tinha muita gente fazendo essa trilha! Por fim chegamos ao Centro de Visitantes Alakush, um lugar muito agradável onde você pode descansar, comer algumas empanadas na cafeteria e esperar pela van para retornar à Ushuaia.
No segundo dia fizemos uma porção de trilhas curtas que integram um circuito no setor Lapataia. Carcarás e chimangos muito dóceis podem ser encontrados próximos ao local destinado para acampamento (que estava lotado!). Aproveitamos para fazer algumas fotos, mas sem oferecer comida nenhuma, é claro. Eles ficaram meio desapontados, mas é o melhor para eles. Esse chimango da foto abaixo estava voando e veio ao nosso encontro no meio de uma trilha. Ficou esperando um tempão por uma guloseima, bicou a mochila do Victor e, por fim, continuou seu caminho.
O parque também é ótimo para avistar mamíferos. A maioria exóticos, infelizmente. A Patagônia sofre muito hoje com o resultado da introdução de alguns animais que foram feitas décadas atrás, sem nenhum critério. O castor-canadense, por exemplo, foi trazido para a Terra do Fogo em 1946. A ideia era incentivar o comércio de peles. Sem predadores naturais, sua população explodiu: hoje há cerca de 110 mil castores na região. Castores modificam muito o ambiente ao seu redor, construindo represas onde instalam suas tocas. Encontramos áreas florestais totalmente devastadas pela ação deles.
No terceiro e último dia no parque, finalmente consegui ver a espécie que eu mais almejava nesta viagem: o pica-pau-de-magalhães. Fizemos a Senda Hito XXIV, que acompanha a margem do Lago Acigami. A trilha recebe esse nome curioso porque ela termina no marco de número XXIV, que define a fronteira entre a Argentina e o Chile. A partir dali não é permitido continuar.
Há registros desse pica-pau por todo o parque, mas essa foi a única trilha onde conseguimos vê-los. E não apenas um, mas muitos! Grandes, barulhentos e agitados, seria impossível passarem despercebidos. Todo mundo na trilha parava para observá-los. É o maior pica-pau da América do Sul, seu tamanho realmente impressiona. Suas vocalizações são no mínimo engraçadas, eles parecem estar discutindo o tempo todo. Era meu aniversário de 40 anos, então foi uma ocasião mais que especial. Melhor despedida da Terra do Fogo, impossível.