Em Janeiro participei de um tour de três dias pela Cadeia do Espinhaço, guiado pelo Eduardo Franco da agência Destinos MG. Mais especificamente, passarinhamos pela região sul da cadeia, passando pela Serra da Calçada, Parque Nacional da Serra do Cipó e outros locais próximos. Foi uma viagem espetacular, cheia de lifers e emoldurada pelas belíssimas paisagens mineiras.

Campainha-azul (Porphyrospiza caerulescens), espécie típica do Cerrado
Para entender a escolha deste destino, vale a pena falar um pouco sobre a região. A Cadeia do Espinhaço se estende por mais de mil quilômetros, desde as proximidades de Belo Horizonte, Minas Gerais, até a Chapada Diamantina, na Bahia. Devido a sua magnitude, também é conhecida como Cordilheira do Espinhaço. O nome “espinhaço” foi cunhado pelo geólogo alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege. Em um artigo publicado em 1822, Eschwege chamou a formação geológica de “Rückenknochengebirge”, pois as montanhas seriam como uma longa espinha que separa, a grosso modo, os biomas Cerrado (oeste) e Mata Atlântica (leste). Na porção mais ao norte da Cadeia do Espinhaço a Mata Atlântica é substituída pela Caatinga.

Tapaculo-de-colarinho (Melanopareia torquata), espécie endêmica do Cerrado
Nas regiões de maior altitude da Cadeia do Espinhaço encontram-se os campos rupestres, uma formação vegetal característica de ambientes mais áridos. Predominam plantas de baixo porte – gramíneas e arbustos – muito resistentes à escassez de água.

Campo rupestre na Cadeia do Espinhaço, e uma vista de tirar o fôlego!
Entre as plantas que chamam mais a atenção nos campos rupestres estão as canelas-de-ema (Vellozia sp.), as sempre-vivas (Paepalanthus sp.) e as pequenas quaresmeiras de flores arroxeadas (Tibouchina sp.)

Sempre-viva, também conhecida como chuveirinho (Paepalanthus sp.)
Foi neste ambiente aparentemente hostil (e quente, como fazia calor!) que buscamos por três espécies de aves endêmicas, ou seja, que somente podem ser encontradas naquela região e em nenhum outro lugar do planeta: o lenheiro-da-serra-do-cipó (que ilustra a capa do post), o pedreiro-do-espinhaço e o pequenino beija-flor-de-gravata-verde.

Lenheiro-da-serra-do-cipó (Asthenes luizae), também conhecido como joão-cipó
Graças ao Eduardo encontramos as três endêmicas, além de muitas outras espécies! Eu, particularmente, queria muito ver o lenheiro-da-serra-do-cipó. Esta pequena ave que pertence à mesma família do joão-de-barro (Furnariidae) foi descoberta recentemente, em 1985, e descrita formalmente em 1990 pelo ornitólogo Jacques Vielliard.

Pedreiro-do-espinhaço (Cinclodes espinhacensis), ave endêmica da porção Sul da Cadeia do Espinhaço.
Ainda mais recente foi a descoberta do pedreiro-do-espinhaço, que também é um furnarídeo. Esta espécie foi descrita com o auxílio de técnicas de sequenciamento de DNA há apenas 5 anos!

Passarinhóloga, Joseane e o guia Edu
Durante o tour pernoitamos em Santana do Riacho, bem próximos à portaria do Parque Nacional da Serra do Cipó. Estive neste parque pela primeira vez em 2012, quando fiz a trilha de 12 km até o Cânion das Bandeirinhas. Foi interessante estar ali novamente, perceber as alterações na paisagem (este ano estava bem mais seco) e rever muitas das aves que marcaram a primeira visita: noivinha-branca, bico-de-veludo, baiano, sanhaço-de-fogo, soldadinho…

Choca-do-nordeste (Sakesphorus cristatus), macho
Passarinhamos no parque e seus arredores. Deu para matar as saudades do Cerrado e ver muitas espécies bacanas, com destaque para a choca-do-nordeste, campainha-azul, capacetinho-do-oco-do-pau, papa-moscas-do-campo, pica-pau-chorão e bacurauzinho. Não havia espaço aqui para todas as fotos, então montei uma pequena galeria de fotos da viagem.

Bacurauzinho (Chordeiles pusillus) e sua excelente camuflagem
Foram três dias em ótima companhia! E muito intensos, passarinhando desde a manhã bem cedo (quando o calor é suportável e as aves estão mais ativas) até o final da tarde. Mas o Eduardo é um guia super profissional e planejou todos os detalhes, então eu e a Joseane só nos preocupamos em passarinhar mesmo.

Maxalalagá (Micropygia schomburgkii), na MONA Serra da Calçada em Brumadinho/MG
De volta a Belo Horizonte (ponto de partida e também final do tour de birdwatching) resolvi seguir viagem até Brumadinho. Estivemos no município no primeiro dia do tour, mas conhecemos somente a Serra da Calçada, de onde é possível ver a pequena cidade a uma grande distância, totalmente encoberta por névoa (ou “brumas”, motivo do nome) nas primeiras horas do dia. Meu objetivo era voltar para conhecer o famoso Inhotim, onde passei um dia muito agradável visitando as galerias de arte contemporânea e passarinhando pelos vastos jardins. Com esse passeio fechei minhas férias com chave de ouro e retornei, feliz, para casa.
Apenas dois dias depois uma barragem de rejeitos da mineradora Vale se rompeu em Brumadinho, provocando uma das maiores tragédias socioambientais do Brasil. Enquanto escrevo os jornais noticiam que 110 corpos já foram encontrados e ainda há mais de duzentas pessoas desaparecidas. Animais estão sendo sacrificados e a lama, tóxica, avançou mais de 100 km. É com muita tristeza que penso nas pessoas que me receberam tão bem em Brumadinho e agora estão passando por tanto sofrimento. Só posso desejar que justiça seja feita e que possamos aprender com Brumadinho o que não foi aprendido com o desastre em Mariana, três anos atrás.
Bibliografia consultada
Alisson, Elton (2018) Campo rupestre no Brasil apresenta alta diversidade de espécies de plantas. Revista FAPESP, 20 de Junho de 2018.
Conservação Internacional (2008) Cadeia do Espinhaço: avaliação do conhecimento científico e prioridades de conservação. Megadiversidade, vol. 4, n. 1-2
Costa, Lílian Mariana (2011) História de vida de Asthenes luizae: biologia reprodutiva, sucesso reprodutivo e o impacto de Molothrus bonariensis em uma ave ameaçada e endêmica dos campos rupestres da Cadeia do Espinhaço. Tese de dissertação de mestrado/ UFMG.
Freitas, Guilherme H. S.; et al (2012) A new species of Cinclodes from the Espinhaço Range, southeastern Brazil: insights into the biogeographical history of the South American highlands. The International Journal of Avian Science, vol. 154, 738-755.