Cenário de vários livros de Jorge Amado, a Costa do Cacau é um destino turístico que vai muito além de belas praias. Lá você pode mergulhar na história do Ciclo do Cacau, conhecer a cabruca (um sistema agroflorestal onde os cacaueiros crescem à sombra de árvores da Mata Atlântica) e dar uma de sommelier e provar uma infinidade de chocolates produzidos localmente, “bean to bar“. E claro, por que não, aproveitar para passarinhar em uma região riquíssima em espécies!
Passei alguns dias em Ilhéus no começo de dezembro. Visitei fazendas da região e conheci um pouco do manejo do cacau e do processamento das amêndoas, que depois vão dar origem ao nosso amado chocolate. Experimentei as principais variedades de cacau e bebi mel de cacau extraído alí mesmo, no meio da cabruca. Esse “mel” é o líquido que escorre das amêndoas recém coletadas, envolvidas na polpa da fruta. É extremamente doce e delicioso! Também observei os efeitos da vassoura-de-bruxa, um fungo que devastou as plantações de cacau do sul da Bahia nos anos 90, quebrando a economia local na época. A vassoura-de-bruxa é uma praga que assombra os cacauicultores até hoje.
Mas… vamos falar dos passarinhos?
Meses antes de viajar, combinei com a agência Mar de Selva um final de semana guiado para conhecer um pouco das aves da região. Escolhi essa agência porque em 2023 conheci o Bigo, que é o guia de birdwatching deles, lá no AveNova. Na época ele me falou tanto das belezas e das trilhas da região de Itacaré que a vontade de conhecer a região não saiu mais da minha cabeça.
No sábado, o Rodrigo (que também é da Mar de Selva, biólogo e super gente boa) me pegou cedinho em Ilhéus e seguimos para o Parque Estadual da Serra do Conduru, onde encontramos com o Bigo. Esse parque foi criado em 1997 e abrange áreas que pertencem aos municípios de Ilhéus, Itacaré e Uruçuca. Ele é dividido e também em parte delimitado pela Rodovia Serra Grande/Uruçuca (BA-653), que dá acesso ao centro de visitantes.
Avistamos várias espécies de aves da Mata Atlântica no parque. Destaco o cabeça-encarnada, um passarinho que também pode ser encontrado na Amazônia e que nos presenteou com um verdadeiro show. Essa espécie pertence à família Pipridae, cujos machos costumam se reunir em grupos e realizar performances (chamadas tecnicamente de displays) para atrair as fêmeas. Naquele dia pude assistir a dança de três cabeças-encarnadas lá no parque, foi inesquecível!
Outra ave que vai ficar na memória é o rabo-branco-de-margarette. Esse beija-flor é endêmico da Mata Atlântica do nordeste e realiza um display individual muito interessante, durante o qual o macho exibe a mandíbula laranja e emite um canto bem baixo. A cauda em leque geralmente indica que a apresentação chegou ao fim. Naquela manhã deu para assistir de camarote pelo menos umas cinco “apresentações”.
Entre tantas aves, minha maior surpresa foi encontrar o cricrió. Ano passado estive em Manaus e procurei muito por essa espécie lá. É fácil escutá-la, mas é bem mais difícil observá-la. Seu canto, um assovio muito alto e inconfundível, é possivelmente o mais emblemático de todas as aves amazônicas. Não é à toa que gravações do canto do cricrió são muito utilizadas para criar um “clima” em filmes que têm como pano de fundo uma exuberante floresta tropical.
Pois bem, eu sempre achei que o cricrió era uma ave exclusivamente amazônica. Nunca tinha me dado ao trabalho de olhar o mapa de distribuição desta espécie. E não é que existe uma população de cricriós na Mata Atlântica do nordeste? Enquanto caminhávamos pelo parque, comecei a escutar um cricrió e não acreditava nos meus ouvidos. O Bigo me levou para vê-los mais de perto e consegui até registrar o bicho. Essas aves são muito curiosas, sendo atraídas por qualquer ruído que considerem estranho (no caso, o barulho da gente andando pela mata). De pertinho, seu canto é ainda mais poderoso. Na Bahia, o cricrió também é conhecido como capitão-do-mato, pois no passado, quando os negros escravizados fugiam, essas aves começavam a cantar e denunciavam sua localização.
No domingo, o Bigo e o Rodrigo me levaram para conhecer a APA da Costa de Itacaré – Serra Grande. Alguns trechos eram de mata fechada, outros trechos eram mais abertos e típicos de zona rural, chegando até o Rio das Contas. Os destaques deste dia foram o tangará-rajado (que é surpreendentemente pequeno), o surucuá-de-barriga-amarela, o araçari-de-bico-branco e o anambé-de-asa-branca.
Quando já estávamos quase finalizando a passarinhada e prontos para embora, foi a vez de ver o pequenino cabeça-branca, que resolveu colaborar e posar para fotos num poleiro bem visível. Passamos um tempão curtindo esse passarinho!
Só tenho a agradecer pela ótima companhia e super profissionalismo do Bigo e do Rodrigo nesses dois dias de passarinhadas. Me aguardem porque já quero voltar! Fiquei com vontade de conhecer um pouco mais do Parque Estadual da Serra do Conduru e, quem sabe, encontrar o endêmico e ameaçado acrobata, um passarinho que somente pode ser encontrado no sul da Bahia, em meio à cabruca. Também está na minha lista visitar a Reserva Espinita, porque dessa vez infelizmente não deu tempo. Até breve, Bahia!