Quatro dias é muito pouco para conhecer a ilha da Madeira, mas foi o suficiente para me apaixonar por este lugar. A ilha é bem maior do que eu imaginava, abrangendo ambientes muito diversos, de florestas úmidas à pradarias. Tudo emoldurado por montanhas recortadas por vales profundos, as paisagens são de tirar o fôlego!
Estive lá em Junho, durante uma visita de estudos organizada pela SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves. A programação incluiu os principais pontos para observação de aves na ilha da Madeira e também uma visita às ilhas Desertas, 25 km distantes e que fazem parte do arquipélago da Madeira.
Bastante isolado, o arquipélago é lar de poucas espécies de aves, tanto terrestres quanto marinhas. Mas algumas destas espécies, quatro delas para ser precisa, somente podem ser encontradas lá: o pombo-trocaz (Columba trocaz), o bis-bis (Regulus madeirensis), a freira-do-bugio (Pterodroma deserta) e a ameaçadíssima freira-da-madeira (Pterodroma madeira).
![Canário](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Canario-Serinus-canaria-Madeira.jpg)
Canário (Serinus canaria), espécie endêmica da Macaronésia
O arquipélago da Madeira faz parte da região da Macaronésia, que também abrange os Açores, as Canárias e o Cabo Verde. Portanto, na Madeira é possível encontrar algumas aves endêmicas da Macaronésia, como o famoso canário (Serinus canaria). Conhecido aqui no Brasil como canário-do-reino, esta é a espécie que deu origem às várias linhagens de canários criados em cativeiro, que resultaram de séculos de seleção artificial e cruzamentos com outras espécies de pássaros.
![Levadas da Ilha da Madeira](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Ilha-da-Madeira-Portugal-1.jpg)
Levada dos Balcões
Um dos primeiros lugares em que observamos aves na ilha da Madeira foi a “Levada dos Balcões”. Levadas são caminhos para a água que permitem a irrigação das plantações feitas na ilha. As primeiras levadas foram construídas no século XV e hoje somam mais de 1.400 km (há quem diga que superam os 2.000 km, não sei com certeza). As levadas são uma ótima alternativa para conhecer a ilha da Madeira ao longo de trilhas belíssimas.
![Tentilhão](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Tentilhao-Fringilla-coelebs-madeirensis-MACHO-Madeira.jpg)
Tentilhão (Fringilla coelebs madeirensis), macho.
![Tentilhão fêmea](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Tentilhao-Fringilla-coelebs-madeirensis-FEMEA-Madeira.jpg)
Tentilhão (Fringilla coelebs madeirensis), fêmea
A Levada dos Balcões é uma trilha bem fácil e termina em um mirante com vista muito bonita. O caminho é encantador e cheio de vida: encontramos melros, toutinegras, papinhos (nome-popular local do pisco-de-peito-ruivo, Erithacus rubecula), pombos-trocaz (bastante arredios, não consegui fotografar) e muitos tentilhões. Os tentilhões madeirenses têm a plumagem bastante diferente dos que ocorrem no continente, constituindo uma subespécie endêmica do arquipélago.
![Melro](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Melro-Turdus-merula-Madeira.jpg)
Melro (Turdus merula)
![Toutinegra](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Toutinegra-Sylvia-atricapilla-Madeira.jpg)
Toutinegra (Sylvia atricapilla), fêmea
Ouso dizer que presenciei na Madeira um dos mais belos pores do sol. Chegamos ao Pico do Arieiro por volta das 21 horas e o dia já se despedia. A vista lá do alto, por cima das nuvens e sob as luzes do crepúsculo é algo que vai ficar gravado na memória. Mas o que fazia um grupo de observadores de aves neste lugar e a esta hora? Começávamos nossa vigília em busca da freira-da-madeira!
![Pico do Arieiro](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Ilha-da-Madeira-Portugal-3.jpg)
Pico do Arieiro
As freiras, mais conhecidas aqui no Brasil como grazinas ou pardelas, são aves que nidificam em fendas entre as rochas. E é no Maciço Montanhoso Oriental da ilha da Madeira que encontra-se a única colônia de freiras-da-madeira de que se tem conhecimento. Demorou um pouco, mas nossa espera deu resultado. Naquela noite gelada e com muito vento conseguimos escutar, lá ao longe, as primeiras freiras que chegavam aos ninhos depois de passar o dia todo no mar. Estas aves devem ter assustado muito os primeiros habitantes da ilha, pois o som que fazem em meio à escuridão (escute aqui!) é tenebroso.
![Ilhas Desertas](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Ilhas-Desertas-Portugal.jpg)
Ilha Deserta Grande
O dia seguinte foi reservado para conhecer as ilhas Desertas. Partimos de Funchal, capital da Madeira, e velejamos por mais de três horas até chegar à ilha Deserta Grande. Lá há um centro de recepção de visitantes e é possível ver de pertinho ninhos de alma-negra (Bulweria bulwerii) e bobo-grande (Calonectris borealis).
![Corre-caminhos](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Corre-caminhos-Anthus-berthelotii-Madeira.jpg)
Corre-caminhos (Anthus berthelotii)
Na caminhada ao redor do centro de visitantes encontramos muitos canários e finalmente consegui fotografar o corre-caminhos, espécie endêmica da Macaronésia. De volta ao mar, tivemos a oportunidade de observar bobos-grandes, almas-negras, gaivotas, trinta-réis…
![Cagarra](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Cagarra-Calonectris-borealis-Madeira.jpg)
Bobo-grande (Calonectris borealis), que por lá recebe outro nome: cagarra
![Trinta-réis-boreal](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Trinta-reis-boreal-Sterna-hirundo-Madeira.jpg)
Trinta-réis-boreal (Sterna hirundo), espécie conhecida em Portugal como gaivina ou garajau
Mas foram os cetáceos que roubaram a cena: cerca de 20 golfinhos acompanharam a embarcação por vários minutos, o que certamente foi um momento inesquecível para todos!
![Delphinus delphi](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/golfinho-ilha-da-madeira.jpg)
Golfinho-comum (Delphinus delphis)
No último dia da visita à Madeira estivemos na Ponta de São Lourenço e lá avistamos alguns francelhos. Esta ave comporta-se como nosso gavião-peneira e paira no ar em busca de presas. Mas foi na Ponta do Garajau, não muito longe dali, que consegui fazer o registro abaixo. Também é um bom lugar para ver andorinhões-da-serra (Apus unicolor), mais uma ave endêmica da Macaronésia.
![Francelho](https://apassarinhologa.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Francelho-Falco-tinnuncullus-canariensis-Madeira.jpg)
Francelho (Falco tinnunculus canariensis), também conhecido como penereiro-de-dorso-malhado
À tarde visitamos um dos locais recuperados pelo projeto LIFE Fura-bardos, que tem como objetivo a conservação desta ave de rapina e de seu habitat natural, a floresta Laurissilva (veja na foto de capa deste post, esta floresta parece ter saído de um conto de fadas). O fura-bardos (Accipiter nisus granti) é um pequeno gavião florestal, bastante esquivo e difícil de observar.
Curti demais cada minuto que passei na ilha da Madeira. Foi a primeira vez que participei de uma atividade com a SPEA e a visita organizada por eles superou muito minhas expectativas. Conseguimos fazer muita coisa em pouco tempo, em um lugar que exige uma excelente logística porque tudo é muito distante. E me diverti muito! Deixo um abraço enorme para todos os colegas de viagem, que acolheram esta brasileira perdida em terras lusitanas e ajudaram a tornar esta experiência ainda mais especial. Saudades de todos!
7 Comentários
Gostei bastante do relato desta incrível passarinhada, das espécies observadas e dos registros realizados! Só de ler deu um bom gosto de conhecer a ilha, suas paisagens e suas espécies!
Obrigada pela mensagem, Ricardo! O ilha da Madeira é incrível!
Estive lá em junho de 2019, praticamente fotografei as mesmas espécies. Mas pergunto, conseguiste fotografar a freira da madeira?
Olá Pedro,
Não vimos as freiras, somente escutamos o bando chegando pela noite.
Podiam acrescentar mais uma espécie às existentes nesta página, já falei com várias pessoas no sentido de saber se as mesmas conheciam a existência na R.A.M. da ave guarda-rios, para mim uma das aves mais bonitas de Portugal e todas desconheciam a sua existência, o facto é que eu conheço bem essa ave dos rios douro e tua e tive a oprtunidade de a ver na zona das cruzinhas.
Q lindo! Adorei, moro na Ilha e adoro observar as aves, mas reparei q tem poucos tipos mesmo. Já vou pegar suas dicas e ver se encontro mais, obrigada ❤️🙏🌟
É possível observar a ave guarda-rios aqui na Madeira, devido à migrações, ou até mesmo através do vento.