Sabia que Manaus era conhecida como a Paris dos Trópicos? A capital tem 354 anos e sua arquitetura teve grande influência europeia. Isso é bem evidente no centro histórico e no famoso Teatro Amazonas. Em comum com Paris, Manaus também oferece uma rica gastronomia para quem gosta de se aventurar nesse campo. Mas foram os passarinhos que me levaram até lá. Localizada em meio à floresta Amazônica, a cidade é um destino muito especial para quem gosta de observar aves.
É fato que grande parte de Manaus é puro asfalto e cimento. Esperava encontrar ruas mais arborizadas. Fiquei perplexa ao observar o contraste entre a floresta e a cidade ao longo da avenida que separa a Reserva Florestal Adolpho Ducke (onde fica o Jardim Botânico) da área urbana. Em imagens aéreas esse contraste é ainda mais chocante.
Estive lá no final de setembro e a região estava castigada pela estiagem. Brigadistas lutavam para manter focos de incêndio sob controle em alguns pontos da reserva do Ducke. Até mesmo a vegetação às margens de uma grande avenida havia sido consumida pelo fogo. Enquanto escrevo este texto, Manaus ainda está sob situação de emergência devido a seca do Rio Negro, que afetou os portos e interrompeu serviços de transporte.
Foi neste clima de fim do mundo no auge do Antropoceno que cheguei em Manaus. Fazia muito calor, bem mais do que eu esperava. Alguns dias depois choveu, finalmente, e a temperatura tornou-se mais suportável. Passarinhei pela região com o Vailson, guia da Amazonas Birdwatching Eco Tour. Em Manaus visitamos o MUSA e depois ele também me levou para conhecer Iranduba e Presidente Figueiredo, que são municípios vizinhos. Aqui vou falar exclusivamente de Manaus.
O Museu da Amazônia – MUSA (também conhecido como Jardim Botânico) é um lugar muito especial e de fácil acesso, dá para chegar lá de ônibus, táxi ou motorista de aplicativo. As exposições de arte e ciência do MUSA estão espalhadas pela floresta e você chega até elas caminhando por trilhas no meio das árvores. A torre de observação do MUSA é parada obrigatória: com 42 metros de altura e 242 degraus, ela permite contemplar diferentes níveis da floresta e termina em uma grande plataforma acima da copa das árvores. O lugar favorito dos birdwatchers em Manaus!
Estive na torre em duas ocasiões. A primeira vez fui com o Vailson. Chegamos na torre antes do sol nascer e só saímos de lá umas 10h da manhã. Neste intervalo pude ver diversas araras, papagaios e tucanos atravessando o céu acima das árvores. Outras aves chegaram mais perto e deu para observá-las nas árvores vizinhas à torre. O pica-pau-barrado da foto acima estava num galho a poucos metros de mim, na altura dos olhos.
Pude ver e ouvir aves amazônicas que nunca havia encontrado antes, foi uma experiência muito rica. Fazia calor, é importante ressaltar. Lá no alto da torre não há sombra para se esconder do sol. De vez em quando, uma nuvem de pequenos mosquitinhos passava e importunava um pouco. Havia muitas aves, mas as vezes demorava um pouco entre um avistamento e outro. É preciso ter paciência, não é um passeio para qualquer um.
Alguns dias depois dessa primeira experiência na torre, tive um tempo livre e aproveitei para ir até lá novamente. Desta vez fui sozinha, apenas agendei com o MUSA um dia antes (para poder chegar na torre cedo, antes do horário normal de funcionamento do jardim botânico). Encontrei a torre completamente vazia e pude curtir a floresta na maior paz e tranquilidade, somente eu e os passarinhos. O clima também estava mais agradável desta vez, pois havia chovido bastante dois dias antes. Meu momento de solitude durou até umas 9h30, quando outros visitantes começaram a subir os degraus de ferro.
Me diverti bastante com as aves que de fato usavam a torre. Nas duas ocasiões encontrei um trio de sanhaços-do-coqueiro que estavam ali o tempo todo. Voavam, pegavam frutinhos e pousavam nos corrimãos. Na segunda visita, uma dupla de anambés pousou e passou um tempão vocalizando. O som que eles emitem é dos mais curiosos, nem parece um pássaro.
As trilhas do MUSA também são uma boa opção para passarinhar, mas pode ser difícil encontrar as aves em meio à vegetação densa. Tive a sorte de poder acompanhar um bando misto com arapaçus e ipecuás.
Encontrei esse rapazinho-carijó completamente imóvel, em uma das trilhas. Perto da portaria consegui avistar mais aves: um tucano-de-bico-preto e um tucano-de-papo-branco (esse da capa do post) se revezavam, pegando frutinhos numa palmeira. Japus construíram vários ninhos numa árvore alta logo na entrada do MUSA, onde também pousavam muitas araras.
Outro lugar que gostei muito de conhecer em Manaus foi o Bosque da Ciência, que faz parte do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. O bosque não é muito grande, são apenas 13 hectares, mas é uma ótima opção para ver aves mais urbanas, assim como alguns primatas em vida livre (o lugar também funciona como um mini zoológico, com recintos para peixes-bois, ariranhas, jacarés e tartarugas).
Os macacos-de-cheiro andam por lá em bandos e são muito agitados. Dá pra passar horas observando suas acrobacias nos galhos, a agilidade dos pulos e a maneira como o bando interage.
Perto da portaria do bosque havia um comedouro e ele estava bem abastecido quando cheguei pela manhã. Sanhaços-da-amazônia e sabiás-barranco disputavam as frutas no alto do comedouro, mas foi no chão que avistei uma espécie que não esperava ver no coração de uma cidade: a pariri. Essa pombinha é muito tímida aqui pros lados de São Paulo, mas ali nem se importou com a minha presença.
Também foi no bosque que pude observar com calma o caraxué-da-várzea e compará-lo com o sabiá-barranco, que é parecido e muito abundante em Manaus. Fiquei curiosa sobre essa espécie depois que assisti a websérie Cantos da Amazônia, em preparação para esta viagem. Recomendo muito! Também foi por causa desta série que fui atrás dos periquitos-de-asa-branca, que recentemente passaram a pernoitar em uma avenida próxima ao bosque. Nem precisei ir até lá: dentro do próprio INPA havia uma samaúma repleta deles, que se alimentavam de suas sementes. De vez em quando algo os assustava e o bando disparava em revoada, mais de uma centena deles, para logo retornar à mesma árvore. O chão embaixo da samaúma estava todo branco, coberto pelas painas liberadas pelos frutos.
Outra dica para quem vai passarinhar na região é dar uma olhada no ebook Aves da Região de Manaus, que é gratuito.
Atualmente, o WikiAves contabiliza 570 espécies de aves registradas no município de Manaus. Nada mal, não? Bem melhor que Paris! Parti de lá já com vontade de voltar. Deixo um agradecimento especial ao Vailson, ao pessoal do Vem Passarinhar Manaus e ao professor Mário Cohn-Haft, que tanto enriqueceram minhas aventuras nas terras manauaras. Obrigada!