Tudo começou naquele longínquo 01 de Janeiro. Final de tarde preguiçoso, eu estava respondendo algumas mensagens no computador e acabei esbarrando numa publicação sobre o 2020 Checklist-a-day Challenge, um desafio proposto pela equipe do eBird. O objetivo era simples, mas ambicioso: fazer 366 listas de aves ao longo de 2020 (que foi bissexto). Me pareceu uma bela resolução de ano novo! Corri para a rua a tempo de fazer a primeira lista do ano e iniciar o desafio.
Não havia nenhuma exigência oficial de fazer uma lista por dia, mas achei que assim seria mais interessante. E o desafio combinava bem com minha outra meta de 2020, que era completar o passaporte Aves de São Paulo. Passei boa parte do mês de Janeiro planejando, em vão, como visitaria 26 Unidades de Conservação, conciliando trabalho, estudos e procurando amigos que topassem a aventura. Antes da pandemia deu tempo de passarinhar no Horto de Tupi e no Parque Villa Lobos, dois lugares contemplados no passaporte. E, é claro, essas passarinhadas viraram listas no eBird.
Mesmo antes de Março, quando entramos em isolamento social, eu já estava fazendo a maioria das observações aqui de casa mesmo, olhando pela janela ou dando uma volta pelo bairro. Moro em Bragança Paulista, interior de São Paulo. Tenho uma vista privilegiada para o pasto abandonado de uma fazenda vizinha, povoado por chopins-do-brejo, noivinhas, tesourinhas e seriemas. Com um pouco de sorte dá para ver o mocho-dos-banhados sobrevoando o capim ao anoitecer.
Só este ano observei 89 espécies de aves neste meu “quintal”, uma área que os vizinhos em geral consideram “mato” e não dão muita bola. Posso dizer que foi um alento poder observar tanta diversidade da janela de casa, ao longo de um ano tão turbulento. E ao criar o hábito de fazer uma lista por dia, acabei percebendo melhor o ritmo das aves que vivem aqui.
O tico-tico-do-campo canta pela manhã bem cedo, e depois mais um pouquinho no final das tardes ensolaradas. A codorna-amarela vocalizou durante alguns dias, lá pelas 9 e 10 horas, insistentemente. Depois se calou, não escutei mais. Os chopins-do-brejo podem passar dias sumidos, mas sempre aparecem fazendo algazarra depois de uma chuvinha. Um casal de marias-faceiras inspecionou o pasto durante umas duas semanas, aparecendo sempre quando o sol já estava bem alto. Depois não veio mais.
Registrar uma lista por dia me fez observar ainda mais este pedacinho verde, que eu nem sabia que estava com os dias contados. Faz um mês que tratores estão rasgando o pasto e assentando ruas. Aparentemente o lugar vai virar mais um loteamento…
Claro que teve dias em que eu não estava com a menor vontade de fazer lista. Dava preguiça mesmo, ou eu tinha problemas maiores para resolver. Nestas ocasiões fiz listas curtinhas, coisa de 5 minutos de observação. Só pra não abandonar o desafio. Geralmente esses momentos de pausa me faziam muito bem e eram mais necessários do que eu imaginava. Às vezes, nessas passarinhadas por “obrigação” e sem expectativas, acabei observando coisas muito interessantes, como tesourinhas atacando o gavião-carijó residente (um comportamento chamado “mobbing“) ou tucanos passando lá longe no horizonte, com aquele voo meio planado e meio batido, tão característico deles. Em Outubro ventava muito e estava pouco propício para passarinhar, mas encontrei um ninho de alegrinhos que depois pude acompanhar por vários dias!
Fazer listas também me instigou a explorar mais os espaços verdes da minha cidade. Me dediquei a melhorar os registros de aves em cada parque que já conhecia e encontrei novos lugares para passarinhar, procurando no GoogleMaps por áreas verdes dentro do município. Foram muitas descobertas! Também achei novos locais para passarinhar no eBird, onde é possível fazer uma busca por “hotspots“. Aproveitei para sugerir a criação de mais alguns hotspots nos lugares que descobri, assim eles ficarão visíveis para outros observadores de aves. Dentro da área urbana, fiquei fascinada com comedouros que encontrei em dois bairros residenciais, mantidos por alguns moradores. A fartura de frutas atrai uma infinidade de aves (e saguis) e sempre que posso dou uma passada nesses lugares só pra curtir os bichos.
Geralmente não gosto muito de fotografar, mas este ano fiz tantos registros fotográficos que resolvi criar um perfil no Instagram para divulgar a avifauna da minha cidade: @aves.de.braganca.paulista. Está sendo uma experiência muito legal, porque várias pessoas que moram aqui na região estão entrando em contato e relatam as aves que encontram em seus quintais. O sabiá-barranco é campeão em avistamentos! Quase todos viram um ninho desta espécie durante a primavera.
Hoje, 31 de Dezembro, acabo de enviar a derradeira lista do ano. Missão cumprida! Na verdade registrei muito mais que 366 listas, porque algumas vezes (como no Global Big Day, que foi pela janela) me empolguei e fiz várias listas no mesmo dia. Não é tão difícil quanto parece, em 2019 mais de 4 mil e seiscentos observadores de aves de todo o mundo concluíram este mesmo desafio. Acredito que este ano a marca será superada. Quem mais participou aqui no Brasil?
Aceitar este desafio me trouxe um grande aprendizado e de quebra levantei dados que, armazenados no eBird, poderão ser utilizados em várias pesquisas científicas. É uma pequena contribuição para a Ciência Cidadã, mas extremamente gratificante para mim. Já comentei aqui no blog que fazer listas trouxe um novo significado para minhas passarinhadas e certamente garantiu muitos momentos de leveza em um ano tão complicado.
Que venham as próximas 365 listas!