Imagine que você é funcionário de um grande e antigo museu de história natural e um belo dia, ao realizar suas atividades rotineiras, descobre um monte de gavetas vazias. Dezenas, talvez centenas de aves taxidermizadas que deveriam estar guardadas ali simplesmente desapareceram! Anambés-azuis, pavós, quetzals… são algumas das aves de colorido indescritível que sumiram. Faltam até mesmo alguns exemplares de aves-do-paraíso, que haviam sido coletados há mais de um século por ninguém menos que Alfred Russel Wallace.
Este pesadelo ornitológico aconteceu, de fato. O livro “The Feather Thief” conta em detalhes a história real do roubo de quase 300 exemplares de aves do Museu de História Natural de Tring (Inglaterra) em 2009.
As investigações foram lentas, mas cerca de um ano depois a polícia apreendeu 174 aves taxidermizadas no apartamento de um jovem músico americano chamado Edwin Rist. Ele confessou o crime na hora. O motivo? Ele queria usar as penas para fazer iscas para uma modalidade de pesca tradicional, chamada “fly-fishing“. Aqui no Brasil esta modalidade também é conhecida como “pesca com mosca”.
Até aqui não contei muitos spoilers, pois a história do roubo é verídica e está bem documentada em vários jornais. Mas o autor do livro, o americano Kirk Wallace Johnson (que apesar do nome não é parente do famoso Wallace), vai muito além do crime e explora o submundo dos aficionados por fly-fishing. Melhor dizendo, o submundo dos apaixonados pela produção artesanal das iscas para fly-fishing. Sim, há uma distinção, pois segundo Kirk muitos destes artesãos (chamados “fly-tiers“) nunca chegaram a pescar. Para a maioria deles o interesse está na arte de confeccionar as iscas, utilizando técnicas inventadas por ingleses na Era Vitoriana.
A produção de uma única isca pode demandar penas de aves raras de vários continentes. Não é a toa que o hobby movimenta muita grana e alguns fly-tiers acabam infringindo leis de proteção à fauna silvestre em seus países, assim como a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES).
O livro me surpreendeu demais, tanto pelo conteúdo como pela forma como foi escrito. Kirk vai contanto como se interessou pelo assunto e como realizou suas investigações aos longo de vários anos, em um texto bastante envolvente. Entre os muitos entrevistados está o próprio criminoso, Edwin Rist. Mas o nome que mais chamou minha atenção foi o do ornitólogo Richard O. Prum. Tive o prazer de assistir uma palestra dele durante o Avistar 2018, quando ele veio divulgar seu livro “The Evolution of Beauty” aqui no Brasil.
Richard e os curadores do museu de Tring ajudaram o autor a entender a importância de manter coleções ornitológicas em museus. Disponíveis para pesquisadores de todo o mundo, estas antigas peles de aves guardam informações para perguntas que ainda nem foram feitas. Seu valor é inestimável, pois são insubstituíveis. Esta é uma mensagem muito importante do livro.
O roubo também havia inquietado Richard, que estava pesquisando o caso por conta própria. Algumas das informações garimpadas pelo ornitólogo foram essenciais para que Kirk chegasse mais perto de desvendar o mistério. Afinal, se 299 exemplares haviam sido roubados e 174 recuperados, onde estariam os outros?
Queria muito que “The Feather Thief” fosse traduzido para o português. Aliás, daria um ótimo filme!
Sobre o livro:
The Feather Thief – Beauty, Obsession, and the Natural History Heist of the Century
Autor: Kirk Wallace Johnson
Editora: Penguin Books
Ano: 2018