I could not bear to hear the song of a bird without knowing what bird it was. It often turned out, however, to be a bird which was already in my collection, but whose call I had not previously heard. In this connection the virgin forest of the Xingú gave me some hard nuts to crack.
Helmut Sick, Tukani (1960), pág. 54
Encontrar esse livro, escrito na década de 50, não foi nada fácil. Passei muito tempo procurando a tradução para o português, até desistir e me contentar com a versão inglesa mesmo, garimpada pela Amazon em algum sebo mundo afora. Depois foram mais alguns meses de espera até o pacote do correio chegar. Tem gente que gosta de cheiro de livro novo. Pessoalmente, acho que prefiro as páginas amareladas, as figuras em preto e branco, a capa dura. Exatamente o que encontrei quando abri o pacote.
Helmut Sick foi um grande ornitólogo alemão, que viveu no Brasil e aqui realizou uma série de estudos pioneiros sobre nossa avifauna. É mais conhecido pelo livro Ornitologia Brasileira, uma Introdução (1985), considerado por muitos uma verdadeira bíblia sobre o assunto. Tukani, pelo contrário, não é um livro técnico. É a história da expedição Roncador-Xingu, cujo objetivo principal era explorar o Brasil Central e criar uma rota segura. Um relato recheado de fatos e curiosidades sobre nossa biodiversidade, na visão de um estrangeiro completamente apaixonado por toda essa riqueza.
Durante os sete anos que durou a expedição, Sick e seus companheiros viveram acampados, muitas vezes em condições bastante precárias. Embora a Força Aérea levasse suprimentos, os alimentos perecíveis estavam sempre em falta. Assim, o cardápio frequentemente incluía tatu, peixe, ovos de tartaruga e o que mais eles conseguissem caçar. As noites de sono eram interrompidas por gritos de animais estranhos e pelo medo constante do ataque por índios de tribos desconhecidas. Mas o mais difícil era lidar com a presença constante de uma infinidade de mosquitos e todo o rol de doenças por eles transmitidas. O próprio Sick ficou doente mais de uma vez.
Never have I seen so many mosquitoes as in this steamy jungle. The various species could be recognised, by and large, from the degree of painfulness of their sting.
Helmut Sick, Tukani (1960), pág. 109
Um dos trabalhos do pesquisador era coletar espécimes e prepará-los para diversos museus e instituições. Ele descreve como mirava e atirava nas aves, centenas delas. Comenta como era difícil encontrá-las no meio da vegetação depois de cairem mortas. A princípio tive a impressão que fazia isso com bastante frieza, mas o relato abaixo – sobre um macho de anambé-preto (Cephalopterus ornatus) – mostra que não era dos trabalhos mais prazerosos, mas ossos do ofício.
Just as the male was in process of repeating his trumpet call I fired and put an end to all this ebullient life. A heavy, black lump came tumbling downwards through the branches and fell with a dull thud on the ground. Shaken, I gazed at it and cursed my own handwork. Between the coal black feathers, the snow-white iris of the bird’s eye peeped at me – normally so alert, now glazed and sightless. His proud tufted headgear dropped mournfully.
Helmut Sick, Tukani (1960), pág. 126
O livro mescla fatos históricos, folclore indígena e muita informação sobre nossa rica avifauna. Uma das maiores delícias é ler as descrições de cada espécie, espalhadas sem nenhuma ordem aparente por todos os capítulos. Como li a versão inglesa, tive um pouco de trabalho para traduzir alguns nomes. Já estava quase na metade do livro quando descobri que no final há um apêndice com todas as espécies que aparecem no texto e seus respectivos nomes científicos! Apesar de alguns nomes estarem desatualizados, facilitou muito!
Tukani me lembrou outros relatos, feitos por outros estrangeiros que exploraram esse Brasilzão numa época em que não havia GPS, Google Maps e muito menos celular. Meu avô, também um estrangeiro neste país, tinha uma biblioteca cheia desses livros. Graças a ele, passei boa parte da adolescência lendo sobre antropólogos que viveram entre índios, desvendando o tupi com um antigo dicionário, descobrindo bichos e plantas nativas no que acredito terem sido algumas das primeiras publicações em português sobre esses assuntos. Uma pena que eu nunca aprendi alemão, desconfio muito que o Tukani também deveria estar naquelas prateleiras, em sua versão original…
Sobre o livro:
Tukani
Autor: SICK, Helmut
Editora: Erikson-Taplinger Company
Ano: 1960
9 Comentários
Olá Natália !
Parabéns pelo blog!
Também sou ornitólogo, formado pela UFMG.
Há coisas sobre o Tukani que não estão em sua resenha muito legal nem outras pessoas comentaram. É possível e provável que você saiba, mas por não te-las informado, aqui estão.
Após a morte do Sick, que eu tive o privilégio e a honra de conhecer em seu apartamento no RJ e tenho a primeira edição do Ornitologia Brasileira autografada por ele, o fotógrafo de natureza Luis Cláudio Marigo (falecido no RJ há alguns meses numa situação inadmissível) que eu também tive a honra e o privilégio de conhecer, publicou a primeira versão em português do Tukani.
Os dados são:
Tukani : entre os animais e os índios do Brasil Central
(tradução de Leonardo Fróes)
1a edição em português, 1997, Editora Marigo Comunicação Visual, 213 páginas, ISBN 85-85352-05-1.
Olá Henrique, muito obrigada pelas informações!
Queria muito ter lido a tradução para o português, mas na época não consegui encontrar, nem mesmo em sebos. Esse livro merecia uma nova edição!
Ótima resenha!
Oi eu vendo o TUKANI em português.
Olá, Eduardo.
Entre em contato pelo meu email lonpa65@hotmail.com dizendo o preço do Tukani, as condições do livro e a forma de pagamento.
Oi Eduardo Maciel, quero também adquirir um livro Tukani.
Desde já agradeço.
Boa noite tenho esse livro em português disponível sou de bh mg
Oi Natália!
Esse livro é obrigatório para nós amantes da natureza e, em especial, das aves.
Grande abraço!
Recentemente reli o livro em sua versão traduzida para o português (que finalmente encontrei na Loja dos Passarinhos). Seguem as traduções dos trechos que eu havia citado na resenha:
“(…) Não suportava escutar uma voz de ave cujo autor me fosse desconhecido. E muitas vezes acontecia de eu já ter em minha coleção uma determinada espécie, sem ainda conhecer sua voz. As matas do Xingú, nesse sentido, me deram muito o que fazer. ” [página 45]
“Era inacreditável a quantidade de mosquitos que proliferavam nessas paragens quentes, sombrias e úmidas. Até dava para distinguir as diferentes espécies pela dor causada pelas diferentes mordidas (…).” [página 102]
* O terceiro trecho não consegui localizar. Aparentemente foi suprimido pelo tradutor na versão portuguesa, o que achei bastante singular. Ao procurar esses trechos notei que as traduções são razoavelmente diferentes.